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Ìyálórìsà responsável pelo Ilê Ìyába Àse Òsun Doko, de Nação Ijexá, localizado na cidade de Gravataí-RS; filha de Pai Pedro de Oxum Docô. Contatos fone:(51) 9114-2964 ou e-mail fernanda__paixao@hotmail.com

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Por que fazer oferendas e sacrifícios?_ A ida de Èsù e Òsétùwá ao palácio de Olódùmarè

(Extraído do livro "Igbadu- A Cabaça da Existência: Mitos Nagôs Revelados", de Adilson de Oxalá, com adaptações)



“Um belo dia, sobreveio uma seca muito grande sobre a Terra. Já fazia mais de três anos que não chovia. A miséria e a fome já assolavam o mundo e, então, os Orixás resolveram consultar Ifá, que determinou que fosse feita uma oferenda a Olódùmarè, para que se apiedasse da Terra e, interferindo, a salvasse da destruição.


Um grande ebó foi preparado, e nele foram colocados uma cabra, uma ovelha, um cachorro, uma galinha, um pombo, um preá, um peixe, um touro selvagem, um pássaro da floresta, um pássaro da savana, um animal doméstico, dezesseis pequenas jarras contendo azeite-de-dendê, dezesseis ovos de galinha, dezesseis pedaços de pano branco, muitas e diferentes folhas de Ifá e um ser humano.


Foi feito então um grande carrego com todas as coisas e o Odu Ejiobe conduziu-o até as portas do Òrun, que, infelizmente, não lhes foram abertas, e impedido de prosseguir, ele foi obrigado a retornar à Terra. E todos os demais dos 16 Odus de Ifá tentaram chegar aos pés de Olódùmarè, com a oferenda, mas todos foram impedidos de prosseguir pelo mesmo motivo: Olódùmarè não lhes abria as portas.


Foi assim que, chegada a sua vez, Òsétùwá, o 17° Odu, foi encarregado de transportar o sacrifício até Olódùmarè.


Antes de partir, o filho de Òsun foi consultar o Oráculo, e dele recebeu as seguintes ordens: _Uma oferenda deve ser feita, composta de seis pombos, seis galinhas, e seis centavos, antes de tua partida para o Òrun. Quando fores fazer a oferenda, encontrarás no teu caminho, uma anciã, à qual deves fazer o bem.


Quando o jovem partiu para entregar a oferenda a Èsù, encontrou no caminho uma velha, que já existia desde o tempo em que os primeiros seres humanos surgiram na Terra. 
_ Òsétùwá _ chamou a velha_ À casa de quem tu pretendes ir hoje? Ouvi rumores, na casa de Olódùmarè, que os 16 Odus mais velhos tentaram, sem sucesso, levar um sacrifício ao Òrun. É chegada a tua vez de tentar a mesma coisa?
_ Sim, é chegada a minha vez. _ disse Òsétùwá.
_ Comeste alguma coisa hoje? _ perguntou a velha.
_ Sim, eu já me alimentei. _ ele respondeu.
_ Pois eu, já faz três dias que não tomo qualquer tipo de alimento. Não tenho dinheiro para comprar comida. _ disse a velha.
Condoído, o jovem pegou os seis centavos que iria oferecer à Èsù, entregou-os à velha para que pudesse comprar alimentos.
_ Adupe o! Agora volta ao local de onde vieste e diz a todos que não irás hoje porque achas que não é conveniente. Amanhã, de manhã bem cedo, carrega a oferenda de Olódùmarè. Não deves comer nada, nem sequer podes beber água antes de chegares às portas do Òrun. Todos os que te precederam comeram a comida da Terra antes de partir e, por isto, as portas lhes foram fechadas. _ concluiu.
E, dizendo isto, a velha desapareceu na mesma forma que aparecera, misteriosamente.
No mesmo dia Òsétùwá foi ao encontro de Èsù para perguntar-lhe como deveria agir.
_ Jamais pensei que viesse me pedir orientações antes de partir! Mas tenha a certeza de uma coisa, isto tem que acabar e hoje eles vão te abrir as portas! Comeste algum alimento ou bebeste alguma coisa? _ perguntou Èsù.
_ Não, nada comi, nada bebi! Ontem, quando me propunha a seguir viagem, deparei com uma velha que me aconselhou a adiar para hoje a minha missão, e para que fosse bem-sucedido, deveria manter o mais absoluto jejum._ respondeu Òsétùwá.
_ Muito bem, se é assim irei contigo._ disse Èsù.
E então Òsétùwá e Èsù partiram juntos rumo aos portões do Òrun.


Qual não foi a surpresa de ambos quando, ali chegando, encontraram os portões já abertos, como se estivessem esperando por eles.
Apressados, seguiram em direção ao palácio de Olódùmarè que, depois de examinar a oferenda, disse:
_ Vocês sabem me dizer qual foi o dia que choveu pela última vez na Terra? Gostaria de saber se o mundo já não foi completamente destruído... Que tipo de vida ainda pode ser encontrada por lá?
Se querem preservar o mundo é indispensável que seja criado um culto por meio do qual os homens restituam parte de tudo o que consomem para seu próprio sustento e sobrevivência em forma de sacrifícios.
O alimento que digerem, a água que bebem, o ar que respiram, tudo deve ser restituído ritualisticamente, representado por pequenas porções. Em cada uma destas porções me farei presente, pois elas, como tudo o mais, são parte de mim mesmo._ disse Olódùmarè.
_ Como parte de ti?_ perguntou Èsù_ Podes desvenda-nos este mistério?
_ Eu sou o sacrifício e o ritual. Sou a oferenda, o cântico e as ervas. Sou o fogo e a água. Sou o ar e sou a terra. 
Eu sou o Pai e a Mãe do Universo. Sou seu sustentador e purificador. Os Orixás e os Eborás são manifestações de minha personalidade múltipla e, ao mesmo tempo, indivisível.
Tudo o que for a eles oferecido pelos homens, será por mim recebido, pois eu sou a meta, a morada e o refúgio. Sou a eterna semente, sou o tudo e sou o nada. Sou Ogbe, a vida, e Iku, a morte. Sou a criação e a aniquilação.
Sou igual com todos, imparcial e amigo. Sou amor por minha criação, pois estou nela, faço parte dela.
É necessário que os humanos reiterem seus sacrifícios para que tal coisa não volte a acontecer. Tudo aquilo que consomem deve ser simbolicamente restituído à natureza, que dispensa a eles os meios de sobrevivência. As oferendas são indispensáveis para a manutenção do sistema! _ finalizou Olódùmarè.


Em seguida, Olódùmarè entregou a eles todas as coisas de valor que já haviam perecido na Terra, e que eram indispensáveis à sua sobrevivência; dentre estas coisas estavam diversos feixes de chuva. 


Logo que saíram do palácio, Òsétùwá perdeu um dos feixes de chuva e imediatamente começou a chover com muita intensidade sobre a Terra.
O Axé novamente se expandia sobre a Terra, e o mundo tornou-se, outra vez, aprazível e poderoso. 
E Èsù Odara e Òsétùwá por haverem, juntos, salvo a Terra da destruição se converteram portadores de todas as oferendas endereçadas ao Òrun.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Os desígnios a Èsù na criação do Àiyé

(Extraído do livro "Igbadu, A Cabaça da Existência: Mitos Nagôs Revelados" de Adilson de Oxalá, com adaptações)

No Òrun, no princípio da criação do Àiyé (terra) e do homem,  Olódùmarè diz a Èsù


"Meu mensageiro! 


Quando te criei, coloquei em ti a ambiguidade de caráter.
O bem e o mal necessitam-se mutuamente para que possam existir, da mesma forma que a luz não pode ser percebida se não existirem trevas. Esta é a regra da criação. Todas as coisas que aparentemente se opõem, na verdade se complementam. Se completam e se integram para que haja o equilíbrio.
Tua palavra, como tua ação, nada mais é do que a confirmação do que está por mim determinado desde sempre
.

A ti outorgo o título de Elegbara, que significa Aquele que Possui Poder Ilimitado."


Olodumare provera Èsù de espírito moleque e zombeteiro, de inteligência e astúcia superiores a qualquer outro Òrìsà, além de ter a missão de funcionar como o agente mágico universal, o grande transformador, responsável pelos diferentes aspectos e formas assumidos pela matéria. Concedera-lhe ainda o poder ilimitado de se multiplicar em milhares de Èsù, sendo todos, ele mesmo. 

Nada viveria, nada teria forma, segundo seus planos, sem possuir seu próprio Èsù, individualizado, mas parte integrante do Èsù principal, Agba-Èsù (Èsù ancestral, o mais velho). E por este motivo, concedera-lhe o título de Ijelu, associado ao Okotó, caramujo cônico formado por espirais que se desenrolam infinitamente.


Dentre os inúmeros poderes conferidos a ÈsùOlódùmarè permitiu que ele se desdobrasse em 1.201 unidades, podendo, sempre que quisesse, acrescentar a esse número mais uma unidade, o que eleva ao infinito a possibilidade do desdobramento de Èsù. E aí está contido o mistério de sua associação ao número 1.




Em conversa com Òrúnmìlà, este  diz a Èsù:
_ "És fundamental dentro do sistema, e seja qual for o culto, a qualquer que seja o Òrìsà, estarás também sendo cultuado de forma muito especial. Nenhum procedimento religioso será aceito sem que tu sejas homenageado em primeiro lugar.


Tu serás o último dos Òrìsà que a sucumbir diante de Iku, pois, a partir do momento que isso ocorrer, tudo no Universo se desintegrará. As formas materiais deixarão de existir e o vazio absoluto tomará conta de todos os espaços.


Tu, Èsù, és a energia que reúne os átomos, possibilitando a diferenciação da matéria e, por este motivo, todas as coisas e todos os seres vivos possuirão uma parte de ti, e, para tanto, deverás multiplicar-te infinitamente, sem perder a qualidade e o poder de tua essência primordial, por isto teu nome – Èsù – Significa esfera." Explicou Òrúnmìlà .


Èsù responde:
_"O que me dizes, Mestre dos Sábios, me assusta e ao mesmo tempo me envaidece. Não gostaria, apesar de tudo, de ser obrigado a modificar meu caráter ou de ter que abandonar meu jeito brincalhão de encarar os acontecimentos, por mais sérios que sejam. " 


_"Como poderias deixar de ser como és, se esta é a vontade de Olódùmarè? É aí que reside teu poder. Sentimento algum irá, jamais, alterar a tua conduta ou a tua maneira de ser. Por este motivo deverás funcionar como árbitro, policial, carrasco e dispensador. Serás o prêmio e o castigo, não só dos seres materiais, como também das entidades espirituais. Todos, com exceção de nosso Pai (Olódùmarè), serão submetidos por tua ação. 


Serás visto por muitos como um espírito rebelde, que contesta o poder de Olódùmarè e, em muitos casos, servirás de arma do homem contra ele próprio, que, associando-te ao mal, tirará partido da ignorância de seus semelhantes para manipulá-los e explorá-los das mais diversas formas. Alguns dos teus fiéis, mesmo sem a plena compreensão da tua verdadeira função, usarão teus nomes para praticar o mal, e te confundirão com a prática condenável da magia negra e da feitiçaria." _ continuou Òrúnmìlà.
Exclamou Èsù:
_"Saberei como tratar essa gente! Ah, sem dúvida saberei..." 


Òrúnmìlà  concluiu:
_ "Tenho certeza que saberás, pois és sábio em tuas molecagens." 




quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Èsù, fiscal do àse: A visita de Òrúnmìlà à cidade de Òwò

(Extraído do livro "Mitos Yorubás: O Outro Lado do Conhecimento" de José Beniste, com adaptações)

Ilé Ifè era o centro do mundo yorubá e o local que congregava grande parte dos personagens que viriam a ser conhecidos como Òrìsà e Ancestrais. Dentre eles, um que se destacava pela sua imensa sabedoria e poder orientador era conhecido por todos como Òrúnmìlà.


Em certa época, resolveu realizar uma jornada até a cidade de Òwò*, para rever o povo e observar como tudo estava se desenvolvendo. Antes, como medida de segurança, fez o jogo dos 16 ikin*, conhecido como Ifá. "É vedado ao Olúwo saber o que acontecerá", respondeu o jogo. O Olúwo efetuou outras jogadas, mas a resposta era sempre a mesma, o que fez com que Òrúnmìlà ficasse em dúvida de fazer a viagem; porém, o seu desejo foi maior e, assim, colocou seus elementos de jogo na sacola e partiu.


A distância para Òwò era longa e iria durar cinco dias. No primeiro dia de sua jornada, encontrou seu amigo Èsù, que estava vindo em direção contrária. Cumprimentaram-se e seguiram viagem, cada um para o seu lado.


No segundo dia de viagem, Òrúnmìlà encontrou novamente Èsù, vindo de ÒwòÒrúnmìlà estranhou o fato e perguntou a Èsù: "Você está vindo de ÒwòÈsù respondeu afirmativamente. Òrúnmìlà meditou sobre o fato, porque achou estranho que duas pessoas indo em direções opostas haviam tornado a se encontrar duas vezes no mesmo caminho.


No terceiro dia, ocorreu o mesmo encontro, o que motivou Òrúnmìlà a se perguntar mais ainda; porém, como estava ávido para chegar a Òwò, não parou para consultar o seu jogo. Afinal, estavam acontecendo coisas muito estranhas.


Ao chegar o quarto dia da viagem de Òrúnmìlà, Èsù se escondeu nos arredores da cidade de Òwò e, quando avistou Òrúnmìlà se aproximando, colocou alguns obì* dentro de um igbá*, deixando tudo ao pé de uma árvore. Adiantou-se e foi ao encontro de Òrúnmìlà, que se surpreendeu ao vê-lo, e disse-lhe: "Èsù, meu amigo, você está mesmo vindo mais uma vez de Òwò?" Èsù lhe respondeu: "É aceitável os amigos duvidarem um do outro? O que tiver que ser, será." Mas Òrúnmìlà não ficou satisfeito e continuou preocupado. Contudo, como estava próximo da cidade, mais uma vez não julgou necessário consultar seu jogo.


Obis
Seguindo mais adiante, encontrou os frutos do obì deixados por Èsù e, como estava cansado de sua longa jornada, apanhou-os e começou a comê-los. Neste momento, surgiu um fazendeiro de Òwò empunhando seu facão na mão de forma ameaçadora: "Você, quem quer que seja, está comendo os obí de minha árvore." Òrúnmìlà respondeu: "Não, eu os encontrei aqui no caminho e não vi árvore alguma." Mas o fazendeiro estava fora de si e falava duramente. Tentou tomar os obì de Òrúnmìlà, que reagiu, surgindo, então, uma luta entre ambos. Na briga, o facão do fazendeiro cortou a palma da mão de Òrúnmìlà e, por isso, eles se afastaram, o fazendeiro se retirou e Òrúnmìlà descansou na estrada e meditou sobre o acontecido: "Isso é coisa maligna. Quando se ouviu falar que algum dia Òrúnmìlà pegou algo que não fosse seu? Em Òwò irão dizer que eu sou um ladrão de obì." Com esses pensamentos a noite chegou e resolveu dormir ali mesmo.


Èsù, que tinha visto tudo, dirigiu-se para a cidade quando todos já estavam adormecidos. Entrou em todas as casas e, com a sua faca, cortou a palma da mão de todas as pessoas que se encontravam dormindo, até a do próprio rei de Òwò. Em seguida, foi para a estrada da cidade e lá se postou, aguardando o amanhecer, não sem antes fazer um pequeno corte em sua própria mão. 


Amanheceu, e Òrúnmìlà despertou. Fez suas orações matinais e tomou o caminho da cidade. Era o quinto dia de sua viagem. Na estrada da cidade encontrou Èsù, que o saudou, mas Òrúnmìlà mostrou-se envergonhado, pois, àquela altura, já havia percebido tudo. E disse: "Èsù, o assunto agora está claro e sei que a minha viagem não deveria ter sido realizada. Somos amigos; contudo, você tornou árdua demais a minha viagem." Èsù respondeu: "Òrúnmìlà, nós somos exatamente amigos próximos. Não hesite, entre na cidade e, se houver algum problema, eu o avisarei. Uma coisa eu prometo, você não será injuriado nessa cidade. Pelo contrário, boas coisas chegarão até você." Dito isto, ambos entraram na cidade de Òwò.


Ao chegarem na praça principal, encontraram o fazendeiro que havia reclamado o obì. Quando ele viu Òrúnmìlà, dirigiu-se até o rei e queixou-se, dizendo que o ladão de sua árvore vinha se aproximando. Narrou a luta que havia tido com ele pelos obì e exigiu que ele fosse punido.


Foi então que chegou a vez de Èsù falar: "Um estranho vem para Òwò com uma obrigação e é acusado de um crime. Onde está a prova? E como pode um ladrão de obì ser identificado?" O fazendeiro respondeu: "Nós lutamos na estrada e o meu facão cortou a mão dele. Esta é a prova." E o rei disse a Òrúnmìlà: "Então, abra a sua mão para que todos possam ver a verdade. "


Èsù tomou a iniciativa novamente: "Este estranho que não praticou nenhuma ofensa é o apontado, embora muitas pessoas possam ter roubado os obì. Somente ele é acusado e interrogado. Sendo assim, faça com que todos os cidadãos de Òwò mostrem também a palma de suas mãos." O rei concordou e determinou: "Sim, vamos fazer isso."


Òrúnmìlà abriu suas mãos e estendeu-as, e o povo acompanhou. E todas as mãos, incluindo as do rei e as do fazendeiro queixoso, tinham um corte recente numa delas. E Èsù disse: "Se um mero corte é a marca da culpa, então todos em Òwò são culpados."


O rei concordou, dizendo: "É verdade, este estranho é inocente. Ele deve ser compensado pela falsa acusação contra ele." E o povo trouxe-lhe oferendas de todas as espécies, incluindo galinhas, cabras, obì, vinho de palma e ìgbín*.


CONCLUSÃO:
Para todo e qualquer emprendimento é costume saber o que determinam os Òrìsà. A prática da consulta está aliada às decisões que devem ser tomadas. Transgredir ou ignorá-las é ficar à mercê dos acontecimentos. 


Èsù surge dentro de sua característica principal, a de fiscalizar as coisas do axé, exigindo o cumprimento de suas determinações. A insistência de Òrúnmìlà o fez passar por situações difíceis, mas que foram contornadas por Èsù. É imprevisível a forma como Èsù decide resolver os casos. As diversas narrativas comprovam como as engenhosas artimanhas possuem soluções criativas, o que o torna difícil de ser entendido. 


Àqueles que têm a tarefa de utilizar o jogo em prol das pessoas, fica a mensagem: embora cuidem delas, não se omitam diante dos seus problemas pessoais. 


Essa narrativa está inserida no Odù Ogbè Ìká, que ainda revela que Èsù fez marca nas palmas das mãos de todas as pessoas, incluindo os embriões de crianças não-nascidas e ainda não-concebidas, para ter certeza de que todas as pessoas que nacessem no futuro teriam linhas nas palmas das mãos. 


NOTAS:
1. Òwò: Cidade localizada próxima a Ondo, cujo soberano é denominado de Olówò.
Ikin
2. Ikin: Coquinhos extraídos da palmeira de dendezeiro - igi òpe (Elaeis Guineensis) ou o igi ifá (Elaeis Idolatrica)- e escolhidos de acordo com certas reentrâncias localizadas em sua parte aguda e denominadas olhos. Esses caroços são os èkùró, mas, quando utilizados para o jogo, são chamados ikin, e devem possuir 4 olhos.
3. Olúwo: Grau na hierarquia de sacerdotes de Ifá. Olú: senhor; awo: mistérios que transcendem a compreensão humana. O mesmo que Bàbáláwo.
4. Èsù: Òrìsà com múltiplas funções; entre elas a de colocar as pessoas à prova. É o fiscalizados do comportamento humano e informante de Olódùmarè.
5. Obì: Noz de cola (Cola Acuminata). Fruto usado tanto para a prática religiosa como para a alimentação, por seu alto valor nutritivo.  Com apenas alguns gramas reduzidos a pó, permite empreender longas caminhadas e realizar trabalhos pesados sem se sentir fome ou cansaço, tendo sido utilizado com frequência pelos escravos.
Igbás
6. Igbá: Fruto da cabaceira (Curcubita Lagenaria - Lagenaria Vulgaris). Cortado ao meio, serve de vasilha para alimentos.








7. Ìgbín: Caramujo utilizado como comestível e oferenda por excelência aos Òrìsà da linhagem de Òsàlá, por ser possuidor do sangue branco. Possui características apaziguadoras, extraindo-se de seu interior um líquido denominado omi èrò, a água que acalma.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Èsù e a divisão dos búzios entre Oya, Òsun e Yemoja

(Extraído do livro"Mitos Yorubás: O Outro Lado do Conhecimento", de José Beniste, com adaptações.)



Certo dia, Oya, Òsun e Yemoja resolveram ir juntas ao Oj๠de Òyó fazer compras. Lá chegando, tomaram conhecimento das novidades trazidas pelos mercadores, como tecidos, contas e especiarias diversas.


Nesse instante, Èsù chega no mercado trazendo uma cabra. Ele pára e observa de longe as três mulheres conversando animadamente, e resolve fazer uma prova entre elas, o que constitui uma de suas características. Aproxima-se de Oya, Òsun e Yemoja, dizendo: "Eu vou deixar a cidade para um importante negócio com meu amigo Òrunmìlà. Assim, eu lhes peço que vendam minha cabra, e em troca eu darei a vocês metade do que for apurado. Como o preço são vinte búzios², eu darei dez para vocês e dez ficarão para mim." Elas aceitaram e Èsù partiu. Logo a cabra foi vendida por vinte búzios. Elas separaram dez búzios para Èsù e começaram a dividir os dez restantes entre elas.


Yemoja iniciou a divisão. Ficaram três búzios para cada uma delas, mas sobrou um. Oya, então, tomou a iniciativa. Fez três pilhas e em cada uma colocou três búzios, porém da mesma forma sobrou um. Depois disto foi a vez de Òsun, mas continuava sobrando um. E as três começaram a discutir acerca de quem poderia pegar a porção maior.


Yemoja dizia: "É justo que a mais velha deva pegar a porção maior. Portanto, eu ficarei com o búzio extra."


Òsun replicou: "Não, onde eu nasci, nas terras de Òsogbo, diz-se que o mais novo é sempre tratado com mais generosidade. Assim, o búzio extra deverá ser meu."


Até que Oya tomou a palavra: "O assunto está em disputa. Tem-se dito que, nesses casos de disputas entre os mais velhos com os mais novos, a maior porção deverá ir para aquele que está entre os dois lados. Em Irá, de onde eu vim, é assim que se faz. Portanto, o búzio que está sobrando deve ser meu."


E a discussão se acentuou. Como não conseguiram chegar a uma conclusão, pediram a um homem do mercado fazer a divisão. Ele disse: "Como pode o dez ser dividido em três partes iguais? Sempre sobra um. Quem merece ficar com ele? De acordo com o que eu tenho ouvido, é a pessoa mais velha quem merece ficar com ele, porque é a mais antiga no mundo e, consequentemente, a que tem sofrido mais do que as outras. A minha conclusão é de que o búzio deve ser dado à pessoa mais velha dentre vocês." Oya e Òsun rejeitaram seus conselhos e recusaram dar a Yemoja a parte maior.


Outra pessoa foi convidada a fazer a divisão dos búzios. Começou a contá-los e disse: "Não existe maneira de fazer esta divisão. Sempre sobrará um búzio. Quem deve ficar com ele? Penso que, numa situação desta natureza, a pessoa mais nova é que deve ser a favorecida, porque os jovens estão no mundo há pouco tempo e têm recebido menos benefícios que os outros. Os mais novos são empurrados de lado nos grandes movimentos, os caçadores jovens andam sempre atrás, e as esposas mais jovens têm a vida mais árdua. Por isso, quando surge uma divisão desigual, a pessoa mais jovem merece a vantagem." Yemoja e Oya não concordaram. Disseram: "Nós nunca ouvimos tal afirmativa. Não podemos aceitar isso.


Um outro homem foi chamado entre aqueles que estavam no mercado. Contou os búzios, separou três a três, deixando o último búzio à parte, e falou: "Diz-se que a pessoa mais velha deve pegar a porção extra, enquanto outros dizem que é a mais jovem que deve receber a porção maior. Assim, creio que nem para a mais velha, nem para a mais nova, mas sim para aquela que estiver entre as duas. Oya é mais velha que Òsun e mais nova que Yemoja. Deste modo ela apresenta as condições ideais. Dêem a ela o búzio extra." Mas Yemoja e Òsun não aceitaram seus conselhos e recusaram dar o búzio para Oya, continuando a divisão sem solução, até que a discussão entre todos se tornou mais acirrada.


Neste instante chegou Èsù. Aproximou-se das três e perguntou onde estava a parte dele da venda da cabra. Elas lhe entregaram os dez búzios e, ao mesmo tempo, pediram o seu conselho para a divisão entre elas, em partes iguais.


Èsù ficou alguns instantes pensativo e, depois, tomou em suas mãos os dez búzios, separou três e deu a Yemoja, mais três e entregou a Oya, e os outros três deu para Òsun. Ficando com o décimo búzio em sua mão, Èsù se ajoelhou e fez um pequeno buraco no chão, colocando nele o búzio. Depois o cobriu com a terra e disse: "Este búzio é para os Ancestrais, os Onílè³. No òrun era assim que fazíamos. Sempre que alguém recebia algo bom, devia se lembrar daqueles que o haviam antecedido. Quando as colheitas são trazidas dos campos, a primeira divisão deve ser dada sempre para os Ancestrais. Quando se realiza uma festa, uma porção deve ser separada para os Ancestrais. Assim também com o dinheiro. Quando ele vem até nós, devemos dar parte aos Ancestrais. Esta é a maneira que fazíamos no òrun e que deveria ser feita também aqui na terra. Vocês deveriam ter-se lembrado disto em vez de disputar o búzio que sobrava da divisão."


Yemoja, Oya e Òsun ouviram atentamente o que Èsù acabara de dizer e admitiram que ele estava certo, concordando, cada uma, em aceitar os três búzios. Por causa do que aconteceu no mercado de Òyó, o povo, daquele dia em diante, passou a dar uma parte para os Ancestrais todas as vezes que faziam as colheitas novas ou recebia fortunas inesperadas.


1- Ojà: Mercado. É o ponto de encontro entre as comunidades e bastante citado nos textos de Ifá. Èsù é visto como Olójà, o Dono do Mercado.
2- Búzios eram utilizados como moedas.
3- Onílè: Os Senhores da Terra, conforme a crença de que o solo é a morada das divindades.





quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Confusão entre Èsù e Exu em rede nacional: Reportagens que deturpam e destroem a imagem das Religiões dos Afro-brasileiras

Reportagem da Rede Globo onde há uma total confusão entre Orixá Èsù e Exu- Catiço.
Enquanto o repórter fala os aspectos do Orixá, Iyá Estela afirma que quem está "comendo o ebó" são os Exus 7 Facadas, Exu Tranca Rua e outros.
Logo após o repórter novamente fala do Orixá Èsù, afirma que vai à sua casa, apresenta a responsável por "receber o Orixá Èsù", e o que vemos são imagens lastimáveis de incorporação com Exus- Catiços frente às câmeras.



Mais uma demonstração lamentável de confusão entre culto aos Orixás e Quimbanda.
Nesta reportagem editada de uma forma totalmente infeliz, foram colocadas imagens do Babalorixá Jorge Verardi de Xangô, falando sobre Orixás, contrapostas a imagens de Pai Paulinho de Ogum Xoroque em "oferenda" a Exus-Catiços no portão do cemitério. 





LASTIMÁVEL E REVOLTANTE!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Èsù, o princípio dinâmico da existência

(Partes do Texto "Exu: Ruah, Pneuma, Espírito Santo" do livro "Carne do Sagrado- Edun Ara: Devaneios sobrre a Espiritualidade dos Orixás" de Paulo Botas, com adaptações)

Os leigos na religião dos Òrìsà, imersos no simbolismo do mal construído pelas igrejas e pelos detentores do poder durante a escravidão, aprenderam a conferir a Èsù o princípio demoníaco da feitiçaria, da bruxaria e da maldade. No entanto, se lermos as poesias e narrativas sobre Èsù vamos mergulhar na profunda espiritualidade deste Òrìsà, a qual é vital para nossas travessias e desafios.


Longe de ser o diabo, Èsù é o princípio dinâmico de comunicação e individuação, o princípio da existência cósmica e humana. Ele é o princípio que representa e transporta o axé (força vital), que assegura a existência dinâmica, permitindo o acontecer e o devir. Ele traduz aos homens as palavras dos Òrìsà e simboliza a descendência, a intercomunicação, a participação. É ainda símbolo da sexualidade e da fertilidade.


Èsù responde pelo movimento da vida, introduzindo o acaso e a sorte no destino dos homens e mulheres; rompendo os modelos conformistas do universo, as psicologias do "ajustamento"; e nos levando aos desafios do novo e da desordem e da possibilidade permanente de mudanças.


Ele nos questiona permanentemente, ao nos revelar que o mundo é produzido e que pode ser produzido de maneira diferente. Indaga-nos pelas nossas utopias e esperanças e nos mostra a fragilidade de nossas tentativas de criar sistemas e estruturas definitivas, onde a vida fica limitada e sem horizontes.


Èsù traz desafio e a irreverência (ele troca o sol pela lua, etc), ele permite aos homens e mulheres a possibilidade de autodeterminação, de exercer o pensamento divergente, de confrontar as interdições sociais que limitam o gozo da liberdade. Como princípio dinâmico é o-não-ainda-possível.


Èsù é o pai da luta: duelo e desafio. A vida é luta, e o modo de viver e de lutar, e de lutar pela vida e viver da luta é duvidar. Èsù é o entusiasmo permanente de vida e luta!


Èsù é a quem se devota afeição e amizade, a quem se confia os segredos mais íntimos e as promessas e pedidos a serem atendidos. Porque ele está em tudo. Tudo o que existe tem o seu Èsù, tudo que tem vida e participa intimamente desta força vital de Olódùmarè.







Èsù simboliza a força de Olódùmarè e evoca o prestígio da força vital(axé), da vida inesgotável e da fecundidade.
Se Èsù, no culto a Ifá, "fala pelos odus" traduzindo aos homens e mulheres as palavras de Olódùmarè e dos Òrìsà, no domínio de Ossaim é quem abre as portas para cada Òrìsà  -que tem suas próprias folhas- possa fixar-se na cabeça -ori- dos seus filhos e filhas. No reino dos Egum é quem permite a passagem deles para o corpo das crianças que vão nascer... Não há morte nesta teologia, mas uma transformação permanente de vida em busca da plenitude e da ancestralidade.


É Èsù quem abre as portas e traça os caminhos, e cuja missão é criar aberturas entre os planos espirituais e o material, furar as paredes que separam uns dos outros, fazendo-os entrar em comunicação por seu intermédio e assegurando, assim, a união cósmica.


Èsù fi ire bò wá o.
Èsù faça nossas vidas plena de coisas boas.


É este sopro de vida, este axé onde funde-se o princípio vital de individuação e comunicação -Èsù-, mediador entre Olódùmarè, os Òrìsà e homens e mulheres, princípio de vida, de liberdade, de amor, de generosidade, oferenda, ebó, benção, justiça, santidade, equilíbrio cósmico e todos os etcéteras que couberem nesta nossa travessia de vida.


Èsù é avesso aos dogmas, preconceitos, autoritarismos que revestem as instituições. Èsù não se deixa aprisionar pelos espíritos mesquinhos dos homens e das mulheres, pelas suas miopias e sua arrogância, mas está vivo e atuante em todos os que buscam o equilíbrio cósmico, da natureza com o humano, do humano com o humano, do humano com o divino e com todas as plurais combinações possíveis nesta nossa "travessia perigosa, mas que é a da vida". 


Àse Èsù yóò bá o gbé làyè. 
(O axé de Èsù vai acompanhar você por toda a vida.)



Èsù corta o nariz do artesão que não lhe fez o ebó prometido

(Extraído do livro "Mitologia dos Orixás" de Reginaldo Prandi, com adaptações)


"Era uma vez um certo marceneiro muito competente no ofício,
mas não tinha jeito de arranjar trabalho.


O artesão teve um sonho com um negrinho
que disse que ele ia ter muito serviço
e ia ganhar um bom dinheiro.


O negrinho do sonho, com seu barrete vermelho,
disse ao marceneiro que após completar o primeiro serviço
ele tinha que fazer um ebó para Èsù.


Devia providenciar um galo preto,
sete tocos de lenha, fósforos e uma vela,
um pouco de azeite-de-dendê, sete ecôs¹,
fumo picado e muitos búzios.


Que fosse para o mato fechado,
acendesse a vela, passasse o galo no corpo,
fizesse a fogueira com a lenha e o fósforo.
Que matasse o galo e o cozinhasse
com os temperos estipulados e oferecesse os búzios.
Era assim o ebó que Èsù queria.
Se ele não fizesse o ebó, ameaçou,
Èsù tomaria o seu nariz.


No mesmo dia apareceu um grande serviço,
que o marceneiro fez com capricho e rapidez,
e ganhou um bom dinheiro.
E depois outro e mais outro
e assim ele foi ficando bem de vida.
Mas para Èsù, nada!
Ele nunca se interessou em cumprir a obrigação.


Um dia, trabalhava sob o sol, alisando tábuas,
quando o negrinho do sonho apareceu e disse:
"Olha, não vais cortar o nariz com esse enxó² ?"
Ele respondeu:
"Como é que eu posso cortar o nariz com este enxó?",
e fez um gesto aproximando o objeto do rosto.
Sem querer, decepou o nariz com a lâmina do enxó.


O moleque disse:
"Te lembras da promessa do ebó?
Èsù deu-te trabalho e dinheiro.
Não deste nada para Èsù,
então vim buscar o teu nariz."


Pegou o nariz que caíra no chão, 
deu as costas para o marceneiro que sangrava horrivelmente
e foi-se embora, levando o nariz do artesão."



1- Ecô (Eko): bolinho de amido de milho branco ou amarelo embrulhado em folha de bananeira.
2- Enxó: Instrumento para desbastar tábuas ou pequenas peças de madeira.



"A kìì lówó láì mú ti Èsù kúrò
(Aquele que tem dinheiro dá uma parte para Èsù)
A kìì láyò láì mú ti Èsù kúrò
(Aquele que tem felicidade dá uma parte para Èsù)
Èsù gbe eni se ebo l'ore o
sù apóia a pessoa que faz o ebó bem feito)"
(Parte do Oriki de Èsù publicado em "Èsù na Consulta Divinatória"
http://maefernandadeoxum.blogspot.com/2011/01/esu-na-consulta-divinatoria.html )