(Extraído de Òrun-Àiyé: o encontro de dois mundos: o sistema de relacionamento nagô-yorubá entre o céu e a Terra, de José Beniste, Editora Bertrand Brasil)
Todo o culto yorubá tem sua significação pela crença nas forças divinas e na capacidade de elas darem o Àse (axé), elemento essencial para a existência da Religião de matriz africana e de tudo que nela existe e venha a existir. A palavra Àse possui três interpretações distintas, mas que se interligam por força do que eles representam:
ÀSE - como palavra, representa o “Que assim seja”, definindo o conceito de que é Deus, O Ser Supremo, somente Ele, que permite a realização de um pedido ou da outorga de algum poder. Ao se dizer Àse ao final de uma oração ou um pedido, a idéia é a de que “Deus é quem irá decidir se o pedido será aceito ou não”, embora a oração seja destinada a um Òrìsà. Nestes casos, o Òrìsà exerce a sua função de intermediário, intercedente junto ao Ser Supremo. Citamos o exemplo de uma invocação, Ìjúbà:
Olójó Òní, mo júbà
(Senhor deste dia, minha homenagem)
Ìbà á se
(Que a homenagem seja aceita)
Ìlà oòrùn, mo júbà
(Leste eu rendo minha homenagem)
Ìbà á se
(Que a homenagem seja aceita)
Ìwò oòrùn, mo júbà
(Oeste, eu rendo minha homenagem)
Ìbà á se
(Que a homenagem seja aceita)
Àríwá, mo júbà
(Norte, eu rendo minha homenagem)
Ìbà á se
(Que a homenagem seja aceita)
Gúúsù, mo júbà
(Sul, eu rendo minha homenagem)
Ìbà á se
(Que a homenagem seja aceita)
Àkódá, mo júbà
(Ao primeiro ser criado, minha homenagem)
Ìbà á se
(Que a homenagem seja aceita)
Asèdá, mo júbà
(Criador dos homens, minha homenagem)
Ìbà á se
(Que a homenagem seja aceita)
Ilè mo júbà
(Terra, eu rendo minha homenagem)
Ìbà á se
(Que a homenagem seja aceita)
Èsù Òdàrà, mo júbà
(Èsù Òdàrà, minha homenagem)
Ìbà á se
(Que a homenagem seja aceita)
Agbagba, mo júbà
(Aos ancestrais, minha homenagem)
Ìbà á se
(Que a homenagem seja aceita)
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Sàsàrà, osé, àbèbè |
ÀSE - como matéria, representa as forças e o poder de todos os elementos representados por símbolos que se identificam com as divindades: sàsàrà, osé, àbèbè, as folhas (ewé), árvores, cânticos, rezas, e a própria casa de Religião, muito apropriadamente definida como Ilé Àse, Casa do Àse, e sua dirigente definida como Ìyáláse, a Zeladora (Mãe) do Àse.
ÀSE - como fluido mágico que não tem forma mas é sentido, e que dá vida e forma a tudo que existe. Em sua relação de criar e recriar, se desgasta e é preciso ser revivido com preceitos, ervas e cânticos, com rituais diversos que permitirão a relação constante entre o àiyé e o òrun.
O próprio ser humano represente o Àse de Vida, sendo por essa razão a resposta sempre afirmativa, diante da saudação yorubá por excelência, ao se perguntar por uma pessoa:
Sé àlàáfíà ni? - Como vai você?
Àlàáfíà ni, a dúpé. - Vou bem, obrigado.
A palavra àlàáfíà é de origem árabe, e que no hausá é conhecida como lafiya; significa paz, saúde da mente e do corpo. No caso da saudação acima, literalmente significa “Você está em paz com Deus?” A resposta será sempre afirmativa, cujo agradecimento, a dúpé, na 1° pessoa do plural, possui dois sentidos: agradecer à pessoa que está perguntando e a Deus, por estar vivo. Se a pessoa está viva, está com o Àse de Olódùmarè.
Para que o Àse se produza, é feita uma série de preceitos que se utilizam de símbolos e palavras que expressam o desejo a ser obtido. No culto ao Òrìsà, tanto a religião - èsin - quanto a magia - idán - são empregadas para atingir este objetivo. São tão interligadas que se torna difícil dizer quando uma invade o domínio da outra. Na realidade, uma ìyálórìsà ou qualquer outra pessoa que assume função sacerdotal é uma espécie de cientista, na medida em que procura descobrir (jogo de búzios) e aplicar (ebo) as leis do universo.
Há uma consciência de suas limitações, mas também há é consciente de que existem recursos no universo que podem ser utilizados em seu proveito e no da comunidade; ora apelando ao Ser Supremo por meio de preces, ora idealizando uma forma de captar forças elementares. Não há aí nenhuma forma de coação junto às divindades. O que a magia faz é utilizar os recursos proporcionados pelo Ser Supremo, para uso da humanidade.
TODO ATO MÁGICO RELIGIOSO POSSUI TRÊS ELEMENTOS:
1. A condição de competência daquele que realiza;
2. Palavras a serem proferidas em forma de reza - adúra -, saudações - oriki -, cânticos - orin -, e encantamentos - ofò -;
3. A forma de realizar os trabalhos e os locais adequados.