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Ìyálórìsà responsável pelo Ilê Ìyába Àse Òsun Doko, de Nação Ijexá, localizado na cidade de Gravataí-RS; filha de Pai Pedro de Oxum Docô. Contatos fone:(51) 9114-2964 ou e-mail fernanda__paixao@hotmail.com

sexta-feira, 23 de março de 2012

O que ética e moral têm a ver com culto a Òrìsà?

Òsàlá representa a idéia de pureza ética, conforme seu nome primordial o define - Obàtálá - Oba ti àlà, o rei cuja roupa é branca, ou Oba ti olá, o rei que possui honra. A palavra Àlà é entendida não apenas como um tecido da cor branca, mas sim como algo puro, sem mácula. Quando se canta “Nwon ò ni’ta epo si àlà re o” está se querendo dizer, nenhum óleo de palmeira deve respingar em sua roupa branca, numa alusão à reputação de uma pessoa que deve ser sempre boa e imaculada. Òsàlá nos mostra sua preferência por tudo que é branco, sinônimo de pureza e retidão ética, e nos lembra da necessidade de nos depurarmos e purificarmos. 


Os que sugerem que religião não tem necessariamente uma conexão com moralidade, e acham que tudo deve ser resolvido com Ebo ou outras obrigações, revelam falta de conhecimento, ou mesmo de interesse em saber discernir as coisas, em conhecer o culto a Òsàlá em toda a sua essência. A ética revelada através de seus exemplos, nas histórias e mitos, demonstra uma dignidade e caráter como modelo de comportamento a ser seguido.


Òsàlá é uma das raras divindades que as histórias revelam como possuidor de apenas uma mulher, chamada de Yemòwo (vários autores confundem Yemòwo com Nàná). Isto torna o fato bem interessante, em razão de ser tradição entre as famílias yorubás o senhor da casa - Onílé -  ser possuidor de várias mulheres. 


Conta-se que certa vez trouxeram a Òsàlá a notícia de que o mundo estava indo muito mal. Ninguém estava mais se entendendo, o trabalho não prosperava e havia infelicidade geral. Procurando saber o que estava acontecendo, Òsàlá descobriu que a causa de tudo era o falatório e as brigas das diversas mulheres dos homens. Então ele disse:


“A ò lé gbé aarin ògójì enìa k’éni ó má sì wí. Òrìsàálá ri on’igba aiya n’lèk’ó too f’owó mu Yemòwo nìkan; ò lè gbe aiye Olù’fè k’órùn k’aiya jékióná gún.”


“É totalmente impossível viver no meio de quarenta pessoas (mulheres) e não dizer coisas erradas. Òsàlá vê a possibilidade de casar com duzentas mulheres, mas ainda assim une-se apenas a Yemòwo; aquele que tem a responsabilidade cívica de Ifè não pode esperar ter êxito se tiver, ao mesmo tempo, que lidar com uma porção de mulheres.”


A moralidade é basicamente fruto da religião. O conceito de Deus para o homem tem tudo a ver com o que é feito para dar normas à moralidade. Deus não é apenas o criador de todas as coisas, como também o juiz de todos e o encaminhador para os diversos planos do Òrun. O trabalho e as pessoas de cada divindade, as ações humanas e ofensas rituais estão sob inspeção regular; de tempos em tempos, relatos são feitos a Ele. Para este fim, Èsù é designado para inspeção geral da conduta de todos. Èsù é a efetiva regra do universo, o princípio dinâmico e fiscal de Olódùmarè. 


A ética está exemplificada no comportamento de Òsàlá e nos relatos dos Odù, de raro acesso aos praticantes dos cultos afro-brasileiros aqui do Sul do Brasil. Em todos eles, encontramos a lei moral, com suas regras e determinações de conduta, que podemos relacionar a fim de serem devidamente aplicadas.


Ìwà, o caráter, é o mais importante de todos os valores morais e o maior atributo do homem. A palavra é formada pelo verbo Wà, ser, haver, existir, e a vogal I. Ìwà Pèlè é uma pessoa de bom caráter que não entra em choque com nenhuma força humana ou sobrenatural, vivendo em completa harmonia com todas as forças que governam o mundo. Esse fato é o que pesa no julgamento divino e define o bem-estar na Terra e o seu lugar futuro no pós-vida. A expressão abaixo define o seu conceito com a religião:


“Ìwà lèsin.” O caráter é a religião.


Oore, a bondade, é considerada uma grande virtude, quando envolve generosidade e hospitalidade. Se rere, fazer o bem, é a tarefa das grandes realizações diárias.


Sùúru, a paciência, é entendida como o fator mais importante para se evitar precipitações que impliquem a perda de caráter. A paciência é o primeiro filho de Olódùmarè e o pai de Ìwà, o caráter.


Òwò, o respeito a que todos se devem entre si, sobretudo aos mais velhos pela sua antiguidade e à experiência admirável de vida.


Outras virtudes: Olóòtóo, uma pessoa verdadeira é virtude essencial numa comunidade; Olóòdodo, ser justo e honesto; e Sé ìféni, fazer a caridade.


A pessoa que segue os preceitos e caminhos dos Òrìsàs, vivencia seu culto, deveria, também, vivenciar esses valores éticos e morais em suas vidas cotidianas, para assim fortalecer em si e ser um agente possuidor e multiplicador do àse. Sempre que praticamos atos que atentam contra nosso caráter, maculamos nossa espiritualidade, nossa força vital, nosso àse pessoal e nossa orixalidade.  



Bibliografia consultada: Livro "As Águas de Oxalá: Àwon Omi Òsàlá", de José Beniste. 

MORTE, ANCESTRAIS E ANTEPASSADOS NA CONCEPÇÃO YORUBÁ

Os yorubá, como os demais grupos africanos, crêem na existência ativa dos antepassados. A morte não representa simplesmente um fim da vida humana, mas a vida terrestre se prolonga em direção à vida além-túmulo, exatamente em algum dos nove espaços do òrun, o domínio dos seres desprovidos do èmí (representado pela respiração, é a força vital que o corpo humano recebe de Olódùmarè. Quando uma pessoa morre, diz-se: Èmí rè ti lo - “Seu èmí foi embora”). Assim a morte não representa uma extinção, mas mudança de uma vida para outra. 


Os antepassados ou ancestrais são denominados Òkú òrun e Àgbagbà (Òkú: morto, cadáver). Um antepassado é alguém de quem uma pessoa descende, seja através do pai ou da mãe, em qualquer período do tempo, e que o ser vivente conserva relações filiais afetuosas. Somente alcançarão a condição de Ancestral com merecimento de culto aqueles que atingiram uma idade avançada, com uma vida de boa qualidade e trabalho expressivo para a sociedade, além de terem deixado bons filhos. Para os yorubá, um casamento sem filho é algo mal sucedido. Na verdade, seu sistema de valores tem por base três coisas: Owó (dinheiro), Omo (filhos), e Àíkú (vida longa). A vida longa é considerada a mais importante porque proporciona a oportunidade que pode tornar possível as duas outras.


São esses e toda a linhagem de gerações passadas que, depois da morte, se transformam, para seus familiares, nas figuras mais importantes do mundo espiritual. Embora os ancestrais compreendam membros masculinos e femininos das gerações anteriores, para o yorubá os ancestrais masculinos são os mais importantes.


Ao seguirem para o òrun, os ancestrais são libertos de todas as restrições impostas pela Terra; dessa forma, adquirem potencialidades que podem ser usadas para beneficiar seus familiares, que ainda estão na Terra. Por essa razão, é necessário mantê-los num estado de paz e contentamento. 


Quando dizemos que existe um culto ao ancestral, queremos dizer que o que existe de fato é uma manifestação de relacionamento familiar indestrutível entre o familiar que partiu e seus descendentes que aqui ficaram. A palavra culto então colocada tem o significado de homenagem.


O encaminhamento do espírito, depois dos rituais realizados, corresponde a passar de volta pelo portão do Oníbodè (o guardião da entrada na fronteira entre o òrun e o àiyé) em direção a Olódùmarè, para receber o julgamento de seus atos na Terra. De acordo com o òrun ao qual foi destinado, continuará a exercer suas funções familiares, agora de modo mais poderoso sobre seus descendentes que a ele continuam a se referir como Bàbá mi (meu pai) ou Ìyá mi (minha mãe).


Ikú, a morte, é visto como um agente criado por Olódùmarè para remover as pessoas cujo tempo na terra tenha terminado. A morte, denominada Ikú, e trata-se de um personagem masculino. Sua lógica é para as pessoas mais velhas, e que, dadas certas condições, devem viver até uma idade avançada. Por isso, quando uma pessoa jovem morre, o fato é considerado tragédia; por outro lado, a morte de uma pessoa idosa é ocasião para se alegrar. Costuma-se dizer: Ikú ki pa ni, ayò l’o npa ni (a morte não mata, são os excessos que matam).  


Embora a morte seja inevitável, e imprevisível, ela pode sofrer alterações através da intervenção de Òrúnmìlà ou de qualquer outro òrìsà junto a Olódùmarè. Isto reflete a necessidade de um constante acompanhamento da situação de uma pessoa através do jogo. Daí o provérbio: Arùn l’a wò, a ki wo Ikú (A doença pode ser curada, a morte não pode ser remediada).


Ikú está relacionado com a terra e sua missão é a de restituir à terra o que lhe pertence, conforme o mito trazido por Juana Elbein dos Santos no livro “Os Nagô e a Morte”, pág. 107:


“Quando Olórun procurava matéria apropriada para criar o ser humano, todos os ebora partiram em busca da tal matéria. Trouxeram diferentes coisas, mas nenhuma delas era adequada. Eles foram buscar lama, mas ela chorou e derramou lágrimas. Nenhum ebora quis tomar da menor parcela. Mas Ikú apareceu, apanhou um pouco de lama e não teve misericórdia de seu pranto. Levou-o a Olódùmarè, que pediu a Òrìsàlá e a Olúgama que o modelaram e foi Ele mesmo quem lhe insuflou seu hálito. Mas Olódùmarè determinou a Ikú que, por ter sido ele a apanhar a porção de lama, deveria recolocá-la em seu lugar a qualquer momento, e é por isso que Ikú sempre nos leva de volta para a lama.”


Sendo assim, Ikú é um agente primordial que torna possível o ciclo: nascimento - vida - morte - renascimento (ìbí - ìyè - ìkú - àtúnwá). 




Fontes: livros "Òrún Àiyé- O Encontro de Dois Mundos" de José Beniste, e "Os Nagô e a Morte" de Juana Elbein dos Santos.