Os yorubá, como os demais grupos africanos, crêem na existência ativa dos antepassados. A morte não representa simplesmente um fim da vida humana, mas a vida terrestre se prolonga em direção à vida além-túmulo, exatamente em algum dos nove espaços do òrun, o domínio dos seres desprovidos do èmí (representado pela respiração, é a força vital que o corpo humano recebe de Olódùmarè. Quando uma pessoa morre, diz-se: Èmí rè ti lo - “Seu èmí foi embora”). Assim a morte não representa uma extinção, mas mudança de uma vida para outra.
Os antepassados ou ancestrais são denominados Òkú òrun e Àgbagbà (Òkú: morto, cadáver). Um antepassado é alguém de quem uma pessoa descende, seja através do pai ou da mãe, em qualquer período do tempo, e que o ser vivente conserva relações filiais afetuosas. Somente alcançarão a condição de Ancestral com merecimento de culto aqueles que atingiram uma idade avançada, com uma vida de boa qualidade e trabalho expressivo para a sociedade, além de terem deixado bons filhos. Para os yorubá, um casamento sem filho é algo mal sucedido. Na verdade, seu sistema de valores tem por base três coisas: Owó (dinheiro), Omo (filhos), e Àíkú (vida longa). A vida longa é considerada a mais importante porque proporciona a oportunidade que pode tornar possível as duas outras.
São esses e toda a linhagem de gerações passadas que, depois da morte, se transformam, para seus familiares, nas figuras mais importantes do mundo espiritual. Embora os ancestrais compreendam membros masculinos e femininos das gerações anteriores, para o yorubá os ancestrais masculinos são os mais importantes.
Ao seguirem para o òrun, os ancestrais são libertos de todas as restrições impostas pela Terra; dessa forma, adquirem potencialidades que podem ser usadas para beneficiar seus familiares, que ainda estão na Terra. Por essa razão, é necessário mantê-los num estado de paz e contentamento.
Quando dizemos que existe um culto ao ancestral, queremos dizer que o que existe de fato é uma manifestação de relacionamento familiar indestrutível entre o familiar que partiu e seus descendentes que aqui ficaram. A palavra culto então colocada tem o significado de homenagem.
O encaminhamento do espírito, depois dos rituais realizados, corresponde a passar de volta pelo portão do Oníbodè (o guardião da entrada na fronteira entre o òrun e o àiyé) em direção a Olódùmarè, para receber o julgamento de seus atos na Terra. De acordo com o òrun ao qual foi destinado, continuará a exercer suas funções familiares, agora de modo mais poderoso sobre seus descendentes que a ele continuam a se referir como Bàbá mi (meu pai) ou Ìyá mi (minha mãe).
Ikú, a morte, é visto como um agente criado por Olódùmarè para remover as pessoas cujo tempo na terra tenha terminado. A morte, denominada Ikú, e trata-se de um personagem masculino. Sua lógica é para as pessoas mais velhas, e que, dadas certas condições, devem viver até uma idade avançada. Por isso, quando uma pessoa jovem morre, o fato é considerado tragédia; por outro lado, a morte de uma pessoa idosa é ocasião para se alegrar. Costuma-se dizer: Ikú ki pa ni, ayò l’o npa ni (a morte não mata, são os excessos que matam).
Embora a morte seja inevitável, e imprevisível, ela pode sofrer alterações através da intervenção de Òrúnmìlà ou de qualquer outro òrìsà junto a Olódùmarè. Isto reflete a necessidade de um constante acompanhamento da situação de uma pessoa através do jogo. Daí o provérbio: Arùn l’a wò, a ki wo Ikú (A doença pode ser curada, a morte não pode ser remediada).
Ikú está relacionado com a terra e sua missão é a de restituir à terra o que lhe pertence, conforme o mito trazido por Juana Elbein dos Santos no livro “Os Nagô e a Morte”, pág. 107:
“Quando Olórun procurava matéria apropriada para criar o ser humano, todos os ebora partiram em busca da tal matéria. Trouxeram diferentes coisas, mas nenhuma delas era adequada. Eles foram buscar lama, mas ela chorou e derramou lágrimas. Nenhum ebora quis tomar da menor parcela. Mas Ikú apareceu, apanhou um pouco de lama e não teve misericórdia de seu pranto. Levou-o a Olódùmarè, que pediu a Òrìsàlá e a Olúgama que o modelaram e foi Ele mesmo quem lhe insuflou seu hálito. Mas Olódùmarè determinou a Ikú que, por ter sido ele a apanhar a porção de lama, deveria recolocá-la em seu lugar a qualquer momento, e é por isso que Ikú sempre nos leva de volta para a lama.”
Sendo assim, Ikú é um agente primordial que torna possível o ciclo: nascimento - vida - morte - renascimento (ìbí - ìyè - ìkú - àtúnwá).
Fontes: livros "Òrún Àiyé- O Encontro de Dois Mundos" de José Beniste, e "Os Nagô e a Morte" de Juana Elbein dos Santos.
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