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Ìyálórìsà responsável pelo Ilê Ìyába Àse Òsun Doko, de Nação Ijexá, localizado na cidade de Gravataí-RS; filha de Pai Pedro de Oxum Docô. Contatos fone:(51) 9114-2964 ou e-mail fernanda__paixao@hotmail.com

terça-feira, 23 de setembro de 2008

DA ÉTICA


Uma das questões que mais tem me levado a profundas reflexões é a chamada "ética religiosa", do que realmente se trata, quais suas práticas e anti-práticas dentro da religião afro-riograndense e os malefícios que essas atitudes anti-éticas de Babalorixás, Iyalorixás e Omorixás trazem a nós praticantes e, principalmente, distorcem a visão de nossa religião na sociedade como um todo.
Cada dia ouvimos mais e mais relatos alarmantes, o que nos leva a pensar se existiria uma solução para a enorme crise em que se encontram as relações entre o homem e o sagrado, entre os homens entre si e entre esses mesmos homens quando o que têm em comum é o culto ao sagrado.
Estamos vivendo um momento em que o culto aos Orixás acabou se tornando objeto de comércio e disputas acirradas. Não há mais respeito pelo Orixá-Ori de cada ser humano, o que muitos enxergam é o que podem obter com cada cabeça que deite por debaixo de sua faca e acabam deixando de enxergar o Orixá e o ser humano para darem olhos ao lucro e/ou prestígio que cada omorixá (filho de santo) pode trazer para dentro de sua casa.

Na semana passada me deparei com a seguinte situação, que vou narrar a seguir:
Estava no Ilê de meu Babalorixá, prestando obrigação à minha Iyá-Ori Oxum Doko e outros 16 Orixás pessoais juntamente com outros irmãos de santo que também cumpriam obrigações a seus Orixás. Dez dias de trabalho com amor, dedicação, fé, responsabilidade perante as divindades e os humanos que ali se encontravam. Chegou o ápice da obrigação, a Festa Grande no sábado. O encerramento de meses de sacrifícios e trabalho árduo, para proporcionar aos meus Orixás, o meu "sagrado orunmalé" o melhor dos melhores. No final da festa me surpreendo com duas de minhas filhas de santo aterrorizadas com um dito "Pai de Santo renomado" que estava no Ilê de meu Babalorixá à caça de filhos de santo, entre esses, omorixás da bandeira de minha Iyá Oxum Doko.
A uma delas dizia este, insistentemente, que seu Orixá-Ori, confirmado há mais de 5 anos, estaria trocado e seu bori mal-feito. A outra, ofereceu-se para ensinar feitiços e ainda ajudá-la a fazê-los e a "segurar" seus efeitos, já que eu, sua Iyalorixá, me negava a ensiná-la a fazer danos e ainda sempre dei ordens para que não os fizesse. Isso deixando de lado o que o mesmo falou sobre os donos da casa, meu Babá e sua esposa, que jamais teria eu coragem de repetir tais palavras e menos ainda torná-las públicas.
Tal fato me causou uma mistura de indignação, raiva, asco e ainda pena! Pena de pessoas que se prestam a esse papel, irem a casa dos outros comerem de sua comida, dançarem para seus Orixás, participarem do momento de celebração de uma grande obrigação religiosa, como é o batuque de 4 pés, e ainda assim, usar dos bastidores para semear a dúvida, a discórdia, a maledicência e, principalmente, o desrespeito às divindades, à cerimônia em si e aos crentes religiosos que estavam ali dedicando seu tempo e suor para proporcionar a essas mesmas visitas um bom axé de prosperidade, alegria e doçura de nossos Orixás.
Minhas filhas com todos os ensinamentos que receberam de como agir em situações religiosas adversas e respeito à hierarquia, já que estava se tratando de uma pessoa mais antiga na religião, se ativeram a ficarem quietas com tal atitude, pois a confiança e o amor aos seus Orixás e sua Bandeira foram superiores à maldade de quem tentou imputar incertezas em suas mentes e corações.

Mas quantos estão realmente preparados para tais atitudes?

E quantos passam por cima de todos os limites de ética-social, respeito, educação, honestidade, boa conduta, seja esta pessoal ou religiosa; com objetivos carregados de egoísmo e vaidade?
Quantos ditos Pais e Mães de Santo estão aí vendendo feituras, axés, governos, e até cabeças? Cabeças sim, pois pagando bem, pode-se escolher o Orixá-Ori, o Ajuntó e ainda a passagem!!!
Porém, tal comércio só existe porque existem pessoas dispostas a pagar para satisfazerem seus desejos pessoais em relação a sociedade batuqueira. Títulos de babalorixás estão à venda como outra mercadoria qualquer, porém, me pergunto diariamente, qual a validade e garantia desses títulos??? Qual será a nocividade dos efeitos colaterais dessa epidemia a médio e longo prazo e o que será de nossa religião se os valores se corrompem e se perdem cada dia mais e mais ao longo do tempo???

Uma conscientização em massa do que realmente representa o culto aos Orixás, suas bases teológicas e filosóficas seria uma das maneiras de tentarmos reverter esse processo. Porém, enfrentamos uma enorme barreira nessa tentativa de difundir os aspectos culturais de nossa religião, pois em uma sociedade em que conhecimento é poder, e a falta deste pela maioria dos fiéis é a garantia da sobrevivência de muitos "Pais e Mães de Santo" e seus Ilês, essa atitude acaba sendo ameaçadora.

Afinal, muitos são os que lucram com essa desordem religiosa atual!


E quem perde é a Religião Africana como um todo!

quinta-feira, 31 de julho de 2008

BEM X MAL



Diferentemente das culturas judaico-cristãs, para os Yorùbá não existe uma figura oposta ao ser supremo, Olódúmarè, e tudo o que acontece no universo, seja de positivo ou negativo, é derivado dele e seu àse(axé).
O bem e o mal não são resultado de uma batalha de duas forças cósmicas figuradas, externas e opostas, mas sim da ação do homem sobre a energia irrefreável, criadora e potencializadora por natureza, porém neutra. É apenas força, nem boa e nem má, o seu uso sim, pode ser para fins construtivos ou destrutivos, e isso depende unicamente do direcionamento que nós, seres humanos, damos a ela.
Olódúmarè deu aos homens àse(axé- poder divino criador), e os dons da mente, da palavra e da inteligência. Ao mesmo tempo cabe a casa um de nós, as escolhas do que fazer com nossos próprios poderes.
Uma das leis universais é que, a toda ação corresponde uma reação, seja ela igual ou contrária. Ou seja, quando emanamos axé, levando-se em consideração que axé é a própria força que nos mantém vivos e está em tudo e todos, é emanado de nós a todo e qualquer momento; então, a cada atitude ou falta desta quando necessário, o universo nos responderá, ou nos devolverá esse axé de alguma maneira.
Dada a complexidade de cada ser humano, que é um conjunto de ideais, paixões, valores, vontades, interesses, crenças, as definições de bem/mal variam de sociedade para sociedade, grupo para grupo, pessoa para pessoa.
Em uma sociedade capitalista, em que a maioria das relações são competitivas e condicionais, esses dois conceitos de confundem ainda mais, pois o bem-estar de um(ns) pode ser definitivamente relacionado com o mal-estar de outro(s).
Tanto o bem quanto o mal acabam variando de acordo com as situações particulares e a necessidade individual de cada um de nós.
Fazer com que uma força, um axé seja uma força boa ou má depende de todo o seu contexto de uso e finalidade, e de todo o processo que será desencadeado a partir dela.
Bem e mal nem sempre serão forças opostas, muitas vezes um único elemento pode trazer consigo ambos conceitos, dependendo do ponto de vista do qual é analisado.
Não espera-se a perfeição dos humanos, ao contrário, nenhum ser humano é totalmente bom ou mau! O ideal de perfeição apenas aplica-se a Olódúmarè, o ser supremo, e nem mesmo os Orixás deixam de ter qualidades e defeitos, aspectos positivos e negativos de personalidade e caráter.
Nem assim deixamos de ter responsabilidade por cada um de nossos atos, pensamentos e atitudes, e usar a forças de forma positiva ou negativa sempre será uma escolha de cada um de nós, segundo nossos próprios valores, vontades e crenças.

Púpò àsé!

Àse


Afinal o que é AXÉ (àse)???

Força mítica do universo; Poder e força vital; Força divina vivificante ou mística; Força mágico-sagrada; Poder místico e potencial presente em tudo o que existe no òrun (mundo espiritual) e àiyé (mundo material), em todas as coisas, sejam elas concretas ou abstratas.
Força geradora e potencializadora, através da qual Olódúmarè, o Ser Supremo, se faz presente em todos os elementos do universo.

A presença de "Deus" para os Yorùbá não é remota, distante; ao oposto, o "sagrado" está impregnado em tudo e todos através do àse (axé), uma "porção" de Olódúmarè, onipresente, onisciente e onipotente. É a síntese de tudo o que existe, o que impulsiona a vida e a matéria, sendo estas produtos e fontes condutoras deste mesmo àse (axé).

São os Òrìsàs (Orixás) divindades emanadas do próprio Olódúmarè, através e com àse (axé), e são considerados como personificações das "qualidades divinas" e assistem ao Ser Supremo nas tarefas do universo, sendo que cada um deles tem seus atributos e seu "papel" no estabelecimento do equilíbrio das relações entre o mundo espiritual e o material (òrun e àiyé), entre homem e natureza, entre a humanidade e "Deus".

Segundo Pierre Verger:
"...os iorubas nunca viram o ase, nem pretendem personificá-lo. Nem podem defini-lo por atributos e características determinadas. Ele envolve todo mistério, todo poder secreto, toda divindade. Nenhuma enumeração consegue exaurir esta idéia infinitamente complexa. Não é um poder definido ou definivél, é o próprio Poder no sentido absoluto, sem epíteto ou determinação de alguma espécie...é o princípio de tudo o que vive, age ou se move. A vida inteira é ase."

Àse (axé) é tudo e mais... é a própria existência. Sem ele nada é possível! É força que evolui, cresce e revigora-se constantemente. Por sua essência, vai além das definições e da completa racionalização para a compreensão humana.

Àse (axé) é eterno... é tudo o que foi, o que é e o que será!

Púpò àse! (muito axé)