Quem sou eu

Minha foto
Gravataí, RS, Brazil
Ìyálórìsà responsável pelo Ilê Ìyába Àse Òsun Doko, de Nação Ijexá, localizado na cidade de Gravataí-RS; filha de Pai Pedro de Oxum Docô. Contatos fone:(51) 9114-2964 ou e-mail fernanda__paixao@hotmail.com

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ogun, a Divindade que Abriu os Caminhos para o Mundo

(Extraído do livro "Encyclopedia of African Religion" de Molefi Kete Asante e Ama Mazama, adaptado e traduzido por Fernanda Ìyánláfémi t'Òsun Doko)


Ògún é uma das principais divindades do Oeste Africano, cuja história abrange vários milênios e cuja adoração estende-se por vários trechos do continente. Alguns estudiosos sugerem que Ògún pode ser adorado por mais de 70 milhões de pessoas no mundo inteiro, e o número de adoradores de Ògún aumenta constantemente.

Ogun é sobretudo a divindade do ferro e, por extensão, a divindade da guerra e da caça. Embora a primeira fundição de ferro tenha surgido na região central da Nigéria, tornando Ogun uma divindade yorubá preeminente(Orixá), o culto a Ogun foi atestado em toda a Costa do Guiné, onde havia se espalhado desde a antiguidade, com altares para Ogun sendo encontrados em praticamente todas as forjas.

No Reino de Daomé (hoje República de Benin), por exemplo, Ogun apareceu como Gu, a divindade do ferro e da guerra, e ficou em terceiro lugar no panteão entre os Voduns, logo após Mawu e Lisa.

Um emblema semelhante de Ogun foi e ainda é a espada. Outros emblemas semelhantes têm incluídos pequenos implementos de ferro, como enxadas, facas, punhais, pás e lanças, além de colares, pulseiras, roupas e coroas.

Essa reverência generalizada a Ogun, divindade do ferro, pode ser compreendida dentro do contexto que crê que o ferro e o trabalho de ferreiro são coisas sagradas. O derretimento do ferro em um forno, um símbolo difuso de útero feminino, tem sido frequentemente associado, em muitas sociedades Africanas, a fertilidade, vitalidade e poder criativo. A reconstituição da criação do mundo e da própria vida através da fusão e forja do ferro em grande parte explica o prestígio duradouro dos ferreiros e, acima de tudo, de Ogun, a divindade do ferro. Além disso, devido ao poder civilizador do ferro, Ogun também é considerado a divindade da civilização e da tecnologia.
Todos aqueles cuja atividade profissional está associada com metal, desde agricultores até cirurgiões, barbeiros, cabeleireiros, mecânicos, açougueiros, motoristas, soldados, caçadores, etc... prestam homenagem a Ogun como seu protetor.

Muitas são as festividades realizadas em honra de Ogun. Em Yorubaland é a Ogun que são dirigidos os apelos para manter a paz na sociedade. Na África, os personagens de Ogun incluem Ogun Akirim, Ogun Alagbede, Ogum Alara, Ogum Elemona, Ikole Ogun, Ogun Meji, Oloola Ogun, Onigbajamo Ogun e de Ogun Onire. Algumas de suas comidas e bebidas favoritas são cães, pombos, caramujos, galos, ovos, noz de cola, inhames, vinho de palma, azeite-de-dendê e tecidos em preto e branco.

Ogun atravessou o Oceano Atlântico, juntamente com milhões de Africanos, que foram removidos à força de sua terra natal durante o período escravização Européia, no qual homens, mulheres e crianças eram escravizados nas Américas. Compreensivelmente, o foco em Ogun como divindade do ferro ficou menos acentuada, ao passo que foi dada uma ênfase maior a Ogun como divindade da guerra. Em um ambiente no qual os africanos foram submetidos a crueldade e torturas de todos os tipos, em base constante, a divindade Ogun tornou-se absolutamente necessário e significativo. Em fato, Ogun está intimamente associado à Guerra Revolucionária no Haiti, que ocorreu no século XIX. Diz-se que Dessalines e Toussaint L'Ouverture, dois grandes heróis dessa guerra, fizeram ebó para Ogun, e foram, por sua vez, protegidos e guiados por ele.
No entanto, qualquer que seja a localização geográfica, características comuns são claramente visíveis. Ogun é inequivocamente associado a força e poder. Ele é o fogo, e como tal, pode ser bastante agressivo, direto, violento, forte. Devido à sua energia quente e seu pavio curto, Ogun tanto cria como destrói. Mas Ogun também é incontestavelmente um líder que rompe novos terrenos e abre novos caminhos quando outros já desistiram. Este atributo particular de Ogun como líder, se origina na ancestral história yorubá, na qual Ogun foi o que veio à frente de outros 401 Orixás na criação da Terra. Com suas ferramentas de ferro, veio desmatando as florestas, criando assim uma passagem sagrada para a Terra. Outros se seguiram a ele, enquanto Ogun abria o caminho para o mundo!

Ogun é Ogu no Haiti. No Vodu haitiano, ele gosta muito de fumar charutos e beber rum. Um facão firmemente plantado em frente ao altar continua a ser o emblema mais característico de Ogun. Seus personagens no Vodu incluem, entre outros, Ogu Feray (ou Fe OGU), Badagri OGU, Balindyo OGU, Ogu Batala, e Xangô OGU.

No Brasil, Ogun é Ogum. Seus adoradores utilizam peças e objetos de ferro em miniatura, assim como na África, como facas, espadas, pás, e picaretas, sobre os altares dedicados a ele.

Em resumo, Ogun continua a desempenhar um papel importante na vida religiosa Africana e seu incrível poder é ao mesmo tempo venerado e temido.



quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Projeto de Lei pode oficializar Sacerdotes Afroumbandistas como teólogos

(Texto extraído do site do Jornal Grande Axé http://www.grandeaxe.com.br/)


Sacerdotes das religiões de origem africana e indígena podem se tornar Teólogos. O tema foi discutido nesta sexta-feira, 18 de fevereiro, no auditório do Sindicato dos Previdenciários do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, reunindo mais de 50 religiosos e interessados no assunto. A atividade foi promovida pelo EGBÉ ÒRUN ÀIYÉ e a Associação Nacional de Teólogos e Teólogas da Religião Matriz Africana (ATRAI), com apoio do AFRICANAMENTE e da Comunidade Terreira Ilê Axé Yemonjá Omi Olodo.

Conforme explica um dos organizadores do evento, o professor e Babalorixá Hendrix Ifáomi Silveira, tudo depende da aprovação do Projeto de Lei 114, de 2005, de autoria do Senador e Bispo da Igreja Universal do Reino de Marcelo Crivella. Se aprovada, a proposta abre precedentes para que Pais e Mães de Santo tornem-se teólogos. Para tanto, basta que o sacerdote comprove atuação e conhecimentos na Religião. Dessa forma, uma das ideias defendidas é a participação no curso de capacitação oferecido pela ATRAI (http://atraibr.org/cursos/).

O debate foi conduzido pelo professor Jayro Pereira, Teólogo da Religião de Matriz Africana e Afro-Brasileira. Ele enfatiza que Teologia não é uma área do conhecimento de exclusividade católica. “Nós todos da Religião Afro somos teólogos”, afirma. Entretanto, pondera, falta aos sacerdotes a consciência sobre a importância desse reconhecimento formal e por isso está mobilizando comunidades de religiosos do Brasil inteiro para esta discussão. Na opinião do professor, não há dúvidas de que o Projeto de Lei será aprovado, mais cedo ou mais tarde, e defende que sacerdotes e sacerdotisas tenham um mínimo de preparo para exercer os seus direitos.

Hendrix, ao enfatizar a riqueza dos ensinamentos repassados de forma oral de Pais para Filhos de Santo, afirma também que o estudo calcado em uma metodologia acadêmica irá agregar valor à Religião, a partir do “conhecimento sobre a prática. Muitos Religiosos praticam sem saber o porquê, repetindo o que lhes foi ensinado”, diz. Para ele, trata-se de entender as razões que estão por trás dos rituais da Religião. Além disso, ressalta, é uma maneira de combater o preconceito.

Outro assunto em pauta refere-se à regulamentação, pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC, sobre os cursos de graduação em Teologia. A fim de respeitar a liberdade religiosa, que está prevista na Constituição Brasileira, o MEC adotou a postura de não interferir no conteúdo ensinado nos cursos de Teologia. Entretanto, essa posição vem abrindo precedentes para que instituições fomentem a intolerância religiosa, o que levou o Ministério a discutir a construção de uma grade curricular baseada em sete eixos. A idéia é que os estudantes de Teologia, embora tenham o seu credo, tenham uma formação ampla, que inclui o respeito a outras práticas religiosas.





terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

ENCONTRO DE INTELECTUAIS VIVENCIADORES (AS) DA RELIGIÃO AFROUMBANDISTA DE PORTO ALEGRE E REGIÃO METROPOLITANA

É só por meio do envolvimento e do apoio aos outros que somos capazes de realizar uma individualidade verdadeira e nos erguer acima de nossa mera distintividade. (Drucilla Cornell)



Objetivos

  •  Reunir intelectuais vivenciadores (as) da Religião AfroUmbandista de Porto Alegre e Região Metropolitana para avaliar a conjuntura hodierna dos Cultos Afro-Gaúchos, bem como discutir a necessidade de posicionamento teórico  de forma interdisciplinar das várias áreas do conhecimento dos adeptos (as) visando intervenções mais qualificada na sociedade abrangente.
  •   Discorrer sobre o engajamento político e social dos (as) intelectuais vivenciadores (as) para desta forma contribuir para a alteração do racismo cultural religioso afro, bem como da intolerância religiosa que se abate contra as comunidades terreiras e seus adeptos.
  •    Dialogar acerca do papel das Comunidades terreiras e a relação das mesmas com a comunidade circundante e/ou do entorno, de forma a pensar estratégias políticas e pedagógicas que envolvam as populações locais nos seus segmentos etários e realização de ações sociais pertinentes.



Data: 19 de março de 2011
Local: AFRICANAMENTE - Rua Protásio Alves, 68 – Rio Branco – Porto Alegre – RS.
Horário: 08h00 às 14h00

Informações e inscrições:
Rua Protásio Alves, 68 – Rio Branco
Fones (51) 3333- 9224  / 3354-7119 e/ou 9545-0231
e-mail: teologiaafro@yahoo.com.br



Realização:
EGBÉ ÒRUN ÀIYÉ /RS (Associação Afro-Brasileira de Estudos Teológicos e Filosóficos das Culturas Negras)
http://egbeorunaiye.blogspot.com/

ATRAI (Associação Nacional de Teólogos e Teólogas da Religião de Matriz Africana e Afro-Indígena)
http://atraibr.org/



Apoio:
AFRICANAMENTE
COMUNIDADE TERREIRA ILÊ AXÉ YEMANJÁ OMI OLODO

Será fornecido certificado aos participantes.


As Inscrições deverão ser feitas até o dia 10/03/2011 improrrogavelmente .

domingo, 20 de fevereiro de 2011

A Divinização de Sàngó

(Extraído do livro "Mitos Yorubás: O Outro Lado do Conhecimento" de José Beniste, com adaptações)
Natural da cidade de Tápà, região fronteiriça ao rio Níger, Sàngó foi produto da aliança desse povo com os habitantes de Ifè, pois nasceu da união de Òránmíyàn e Torosi, filha de Elénpe, rei de Tápà. Retornando mais tarde para a sua região, Òránmíyàn fundou a antiga cidade de Òyó, localizada próxima ao monte Àjàkà.


Sàngó passou a sua infância e juventude em terras Tápà, indo depois para outras cidades, conquistando uma delas, denominada Kòso, e lá assumindo a condição de líder do seu povo como Oba, seu rei. Mas o sonho de Sàngó era assumir o reinado de Òyó, nessa fase tendo como regente Dàda Àjàkà, seu irmão mais velho, que não estava à altura do cargo, por ser passivo e de certa forma indolente. Sàngó invadiu Òyó e destronou o irmão, que se instalou na cidade de Ìsele. Passou a ser o 3° Aláààfin de Òyó, permanecendo no trono durante sete anos, dando motivos a inúmeras histórias onde são reveladas suas façanhas e seus casos de lutas e paixões. Segue uma delas:


Sàngó, como soberano de Òyó, assumiu condições de guerreiro, pois essa fase, na vida do povo yorubá, era dedicada a conquistas, e com isso conseguiu que seu reino se expandisse a ponto de se tornar o soberano legítimo reconhecido por todos. Seus exércitos haviam dominado todos aqueles que lhes eram opositores e, assim, todos os demais reis reconhecem a sua supremacia.


Entre os guerreiros que participavam dos exércitos de Sàngó, dois de destacavam: Tìmì e Gbònkáà Èbìrì, que, por suas ações, eram conhecidos e respeitados por todos. Suas vitórias eram sempre lembradas, e isso passou a incomodar Sàngó, que dizia: “Sou o aláààfin de Òyó, o Oba dos Oba, e, apesar de meus exércitos conquistarem tudo, não é só a mim que o povo elogia.” Refletiu e começou a imaginar uma maneira de se livrar da força que os dois tinham junto ao povo de Ifè.


No dia seguinte, enviou um mensageiro à casa de Tìmì, pedindo o seu comparecimento no palácio. Tìmì atendeu prontamente ao pedido e se fez acompanhar por um tocador de atabaque, cantando poemas em seu louvor. Uma multidão de pessoas o seguiu, algumas delas dançando, pois esta era a forma de como as coisas agiam quando um grande herói de deslocava de um lugar para outro. Sàngó sentia-se agradecido pela lealdade de seu guerreiro nas batalhas, mas o ciúme e a gratidão conflitavam dentro dele. Assistir ao espetáculo das várias pessoas celebrando as grandes ações de Tìmì fez o coração de Sàngó ficar endurecido e, assim, decidir mandar Tìmì embora.


Com esse pensamento, Sàngó falou a Tìmì: “Na cidade de Èdè, as coisas não andam bem. Lá, a população não demonstra o respeito necessário a Òyó. Vá, estabeleça a ordem e oprima aqueles que buscam a desordem. Permaneça lá e seja a autoridade de Èdè.” Tìmì agradeceu a confiança e disse: “Grande Sàngó, eu farei o que me pede. Èdè voltará a ordem e será submissa a Òyó.” Em seguida, foi para casa se preparar para a viagem. Levou seus amuletos no pescoço e nos braços, pegou o arco e as flechas flamejantes que usava nas batalhas e que o faziam tornar-se invencível, montou seu cavalo e, com alguns guerreiros, seguiu para Èdè.


Sàngó pensou: “Agora eu me livrei de um dos heróis que, certamente, encontrará seu fim tentando conquistar Èdè.” Entretanto, notícias começaram a chegar informando que Tìmì e seus companheiros haviam lutado e derrotado os melhores guerreiros, trazendo a ordem à cidade e a todas as regiões fronteiriças. O nome de Tìmì havia se tornado maior do que antes e a cidade de Èdè desenvolveu-se como potência militar poderosa, repercutindo fortemente em Òyó, deixando Sàngó muito aborrecido.


Assim começou a elaborar um grande plano. Mandou chamar o outro herói, Gbònkáà, e instruiu-o da seguinte forma: “Vá até Èdè onde Tìmì governa. Quando ele partiu daqui, prometeu tornar a cidade submissa a Òyó. Em vez disso, ele a fez altiva e vaidosa, como se Òyó fosse uma aldeia sem nenhuma importância. Vá e derrote-o. Traga-o de volta, usando os seus poderes.”


Ouvindo tudo com atenção, Gbònkáà disse que não tinha raiva de Tìmì. E, assim falou a Sàngó: “Grande aláààfin, eu ouço o que quer que eu faça, mas lembre-se de que eu e Tìmì combatemos juntos. A dor de um sempre foi a dor do outro. Quando um de nós se feria, o outro ajudava. Aliviamos a nossa sede no mesmo copo. Como posso lutar contra Tìmì? Um de nós certamente morrerá.” Sàngó respondeu que já havia pensado nisso e elogiou o poder de Gbònkáà, dizendo que ele era muito eficaz e que iria vencer sem causar nenhuma morte. O que Sàngó tinha em mente era a certeza de que, quando dois heróis se encontrassem em combate, certamente um deles morreria, e, assim, ficaria mais fácil para ele enfrentar apenas um.



Gbònkáà respondeu a Sàngó: “Eu irei até Èdè e falarei com Tìmì como se fala com um companheiro de muitas batalhas. Eu o convencerei a retornar.” Dizendo isso, seguiu para a sua casa, carregando consigo seus talismãs. Pegou o seu chifre de antílope, onde em seu interior mantinha um de seus grandes poderes ligados a encantamento. Depois partiu, tendo a sua frente o tocador de atabaques cantando seus feitos e glórias.


Algum tempo depois, o povo de Èdè começou a ouvir os cânticos e os sons do atabaque. Viram com admiração a chegada de Gbònkáà. Ele era forte e violento, e o seu corpo estava quase todo coberto com sacolas de couro contendo a força de seus poderes. Na mão, trazia uma lança e, sob seu escudo, estavam as marcas tradicionais de seus feitos. O povo correu até a casa de Tìmì, gritando que Gbònkáà havia chegado e estava trajando roupas para uma batalha. Tìmì o aguardou na porta de sua casa. Gbònkáà se aproximou e foi dizendo: “Tìmì, meu companheiro de guerra. Sàngó enviou-me até aqui para levá-lo de volta para Òyó. Peço que se prepare para a viagem.” Tìmì respondeu: “Gbònkáà, você, que percorreu comigo muitas regiões, está de volta a Èdè; porém, não posso voltar com você, pois sou agora o Oba desta cidade. Quando Sàngó me mandou para cá, ele não disse para voltar. Portanto, não poderei acompanhá-lo.”


O diálogo estava sendo observado por toda a população, já preocupada com os acontecimentos. E, nesse clima, Gbònkáà respondeu: “Meu amigo, devo lhe dizer que Sàngó me orientou para o caso de que, se você não se decidir a vir, eu deverei levá-lo à força ou lutar para decidir o caso.” Tìmì se surpreendeu: "Gbònkáà, você teria coragem de usar suas armas contra mim? Eu sou seu companheiro e amigo de muitas batalhas." Embora lamentando, Gbònkáà foi irredutível: "Infelizmente terá de ser dessa maneira. Prepare-se, vamos lutar." Tìmì foi se preparar. Cobriu-se com seus preparados e proteção de seus talismãs. Em suas mãos, seu Ofà Iná(n), as flechas flamejantes.


O povo de Èdè suplicava aos seus heróis: "Vocês são como irmãos. Pensem nisso e não lutem!" Mas Tìmì disse: "Afastem-se e não cheguem até nós." Não havendo outra solução, recuaram. Os tocadores de atabaques dos dois heróis começaram a cantar louvores. Tìmì colocou a sua flecha de fogo no arco, em posição de ataque. Gbònkáà, atento, apenas segurou o seu chifre de antílope, onde trazia o seu poder de encantamento. E, enquanto fitava Tìmì, começou a recitar um determinado ofo, reza de encantamento, que terminava com as seguintes palavras:


Ewé ti a ba já lówó òtún
(Folhas apanhadas do lado direito)
Òtún níígbé
(São conservadas na mão direita)
Ewé ti a bá lówó òsì
(Folhas apanhadas do lado esquerdo)
Òsì níígbé
(São conservadas na mão esquerda)
A sùn fonfon ni tígi àjà
(Uma trepadeira fica sempre imóvel)
Ìwo, Tìmì! Sísùn ni kóosùn!
(Você, Tìmì! Fique imóvel, durma, não acorde!)


Imediatamente Tìmì entrou em sono profundo. Suas armas caíram de suas mãos e Gbònkáà aproximou-se dele com sua lança suspensa. Vendo Tìmì imóvel, abaixou-se e pediu ao povo para colocá-lo em cima de um cavalo, levando-o de volta para Òyó. Assim que chegou, foi direto para o palácio de Sàngó e disse: "Nós nos preparamos para a luta, mas antes que ele pudesse atirar sua flecha eu o coloquei para dormir." Sàngó pediu que o acordasse e, quando Tìmì se levantou, o povo começou a ridicularizá-lo com frases e risadas. Gbònkáà dispersou o povo e seguiu calmamente para casa.


Sàngó estava muito aborrecido, pois os dois heróis continuavam em Òyó. Pensou no assunto e mandou chamar Tìmì. "As coisas não estão bem", disse-lhe. "Pensei que você fosse derrotar Gbònkáà, mas deu-se o contrário. Ele o fez dormir com o poder que possui e, agora, o povo zomba de você. Você não pode ficar ouvindo o povo humilhá-lo diariamente. Isso não pode continuar. Se você desejar, anunciarei uma nova luta entre vocês." As palavras tocaram fundo em Tìmì, que estava sufocado pela humilhação. Então, ele falou: "Sim, eu me encontrarei mais uma vez com Gbònkáà, e a morte deverá vir para um de nós." E um novo encontro foi anunciado entre os dois guerreiros. Lutariam até a morte na praça principal de Òyó.


Na manhã seguinte, todos já estavam reunidos conforme o desejo de Sàngó. Os dois guerreiros, face a face, com seus tocadores cantando vitórias. Havia uma grande agitação. Tìmì atirou uma flecha flamejante de seu arco e, no exato momento em que a flecha iniciou sua trajetória, Gbònkáà apontou seu chifre de antílope para o Leste. A flecha então tomou  o rumo do Leste. Tìmì lançou outra flecha flamejante, e Gbònkáà apontou seu talismã para o Oeste. E a flecha mudou de rumo novamente. Novas flechas foram atiradas, mas sempre desviadas pelo poder do talismã de Gbònkáà, contido dentro do chifre de antílope. Em meio a essa ação de defesa, Gbònkáà começou a entoar cânticos de encantamento para imobilizar Tìmì, e foi o que aconteceu. Tìmì caiu no sono, imóvel e em sono profundo. O povo fez alarido e os tocadores cantaram a vitória de Gbònkáà, que, em seguida, despertou Tìmì e se afastou do combate.


O resultado da contenda, mais uma vez, não agradou Sàngó porque ambos os heróis ainda permaneciam vivos. Mandou, então, chamar Gbònkáà e lhe disse: "A árvore foi curvada, mas ainda continua a crescer. Você tem curvado Tìmì, mas ele ainda vive; portanto, você deverá lutar novamente."


Furioso com o que ouvia, Gbònkáà respondeu a Sàngó: "Duas vezes eu lutei contra Tìmì para satisfazê-lo e duas vezes eu o derrotei. Isso não lhe tem agradado. Suponho que você nunca ficará satisfeito enquanto nós dois permanecermos vivos. Muito bem, lutarei a última vez com Tìmì. Depois, a luta será entre mim e você. Um de nós deverá deixar Òyó para sempre."


Desse modo, os dois heróis se defrontaram mais uma vez em combate. A multidão se reuniu novamente e os músicos tocaram seus cânticos. Sàngó sentou-se em uma cadeira no formato de um pilão, colocada sobre ela uma pele de leopardo. Uma nova agitação envolveu todos quando a luta começou. Da mesma forma como antes, Gbònkáà dominou Tìmì com seu encantamento e o fez adormecer. Com a sua espada ele cortou a cabeça de Tìmì e a jogou aos pés de Sàngó, dizendo: "Aqui está a cabeça que tanto querias." Sàngó se levantou bastante irritado e ordenou que seus guardas agarrassem Gbònkáà e o matassem utilizando o fogo.


Armaram uma enorme fogueira, amarraram Gbònkáà com cordas fortes e lançaram às chamas. O povo chegou próximo à fogueira para ver o herói morrer. Mas, para a surpresa de todos, viram-no levantar-se sobre o fogo e fixar os olhos em Sàngó. Quando as cordas que o atavam haviam sido consumidas pelo fogo, ele andou através das chamas sem que elas o queimassem. O povo de Òyó que a tudo assistia, ficou aterrorizado e começou a se dispersar. Somente Sàngó e sua mulher Oya permaneceram no local. Gbònkáà se aproximou de Sàngó, mostrou seu corpo sem uma só queimadura e disse: "Agora, Sàngó, tudo acabou para você em Òyó. Deixe a cidade dentro de cinco dias e nunca mais retorne." Em represália, Sàngó abriu sua boca, e uma enorme chama envolveu Gbònkáà; este, porém, resistiu a ela, não lhe causando qualquer dano. Vendo que nada poderia derrotar Gbònkáà, Sàngó retirou-se, então, para o seu palácio.


Quatro dias haviam se passado, e o povo de Òyó cantava canções de louvor a Gbònkáà, agora seu novo líder. Ao anoitecer do quarto dia, Sàngó demonstrou vontade de deixar Òyó sem luta, num exílio voluntário. Na escuridão da noite, acompanhado de Oya e seus criados fiéis, seguiu viagem em direção à cidade de Tápà, com o intuito de ficar com a mãe. Por sete anos Sàngó havia governado Òyó, dando-lhe grande esplendor de conquistas, e agora se retirava triste e abatido por ver o povo se voltar contra ele em detrimento de Gbònkáà, esquecendo-se de tudo que havia feito para todos.


Pelas florestas seguia a comitiva de Sàngó, que raramente falava. Estavam todos angustiados com os acontecimentos. Em meio à viagem triste e silenciosa, Sàngó começou a perceber a ausência de seus companheiros, a tal ponto que, em certos trechos, constatou que apenas a companheira Oya havia permanecido ao seu lado. Os demais haviam dispersado, tendo alguns voltado para Òyó. Ao deparar com essa situação, Sàngó fitou Oya e lhe disse: "Ko kin burú tìtí ki o ma enìkan mò ni." ("Por pior que alguém seja, há sempre quem goste da gente.")


Dizendo isso, pediu para Oya aguardá-lo no local e se retirou para o interior da floresta. Lá, pegou uma corda e amarrou numa árvore denominada àyàn, enforcando-se. Oya, que estava aguardando e, ao perceber que Sàngó demorava, resolveu ir até o local onde ele poderia estar. E lá o encontrou enforcado. Ficou desesperada e voltou para Òyó, gritando alto que Sàngó havia se suicidado. Os adversários de Sàngó se rejubilaram e fizeram festas pelo acontecido, gritando: "Oba so! Oba so!", que significa "o rei se enforcou". A partir daí, começaram a humilhar e a brigar com os adeptos de Sàngó.


Oya, com mais calma, foi procurar os Mógbà, auxiliares diretos de Sàngó, e com eles retornou à floresta. No local em que deveria estar o corpo de Sàngó nada foi encontrado. Ouviram, porém, a voz dele vinda de dentro da terra, dizendo que se havia transformado em Òrìsà e que deveriam voltar para Òyó, pois todos teriam uma lição de seu poder.


Lá retornando, relataram o que tinham visto e escutado, mas não deram importância e continuaram a festejar o acontecido. Até que, de repente, o céu começou a escurecer acompanhado de fortes ventanias; raios caíam em todas as direções e atingiam as casas da cidade, incendiando-as. Todos se assustaram com o que estava acontecendo, não sabendo explicar as razões da mudança repentina da natureza. A tempestade envolveu Òyó e fez as rochas se deslocarem, destruindo caminhos e causando mortes.


Em meio a todo esse clima, o Bàbáláwo da cidade foi convocado para descobrir a causa de tudo. "É Sàngó", disse ele. "Ele está zangado pela afronta que recebeu de seu povo." Em seguida, pediu que trouxessem oferendas para serem preparadas: aves, carneiro, azeite-de-dendê e orógbó. Seguiram para o local onde se sabia que Sàngó havia morrido e lá depositaram as obrigações. Ao mesmo tempo olharam para o céu e viram o sinal de aceitação de Sàngó, surgindo o seu símbolo de formato similar ao machado de dois gumes e denominado osé iná(n), formado pelos raios que brilhavam no espaço. Então, todos começaram a gritar: "Oba kò so! Oba kò so!" ("O rei não se enforcou!"), que passou a frase que simbolizava a fidelidade a Sàngó e que deveria ser sempre repetida. A partir desse momento, a natureza se acalmou com aquele ato de devoção e submissão.


O local se tornou desde então um santuário popularíssimo de Sàngó, nos arredores da atual Òyó, onde os sucessores dos reis e descendentes de Sàngó são tradicionalmente coroados. A árvore - igi  àyàn- passou a representar o caminho que conduziu Sàngó à divinização como Òrìsà, em cuja base são depositados os sacrifícios e as oferendas. Quanto a Oya, companheira até os últimos momentos de Sàngó, então sozinha, resolveu retornar a Tápà, mais precisamente à cidade de Irá, sua terra de origem, lá desaparecendo no interior da terra, surgindo depois sob o encanto dos ventos predecessores das tempestades, dos raios e trovões. Em sua memória, o povo yorubá associou-a ao rio Níger, dando-lhe o nome de Odò Oya, cujo delta, formado por nove cursos d'água, reverencia seus nove filhos postos no mundo.


CONCLUSÃO:


Sàngó representa o princípio da justiça, é visto como justiceiro de Olódùmarè e cognominado Oba Jàkúta (já: lançar; òkúta: pedras), que seriam os edùn àrá (edùn: machado; àrá: trovão, relâmpago), meteoritos que atingem a Terra. Essas pedras se prestam para os assentamentos de Sàngó nos cultos religiosos.


Seus elementos são o fogo, os raios e os trovões. Apesar de sua natureza violenta, Sàngó possui o poder da fertilidade através das chuvas que se seguem ao som dos trovões, reabastecendo o solo, os lagos e os rios, oferecendo à humanidade uma de suas necessidades básicas.


NOTAS:

  • Òyó: Antigo império yorubá situado na curvatura do rio Níger, ao Norte. Alcançou seu apogeu a ponto de se rivalizar com Ifè. Lá, o culto a Sàngó mereceu uma atenção maior quando se passou a constatar que essa região fica situada na floresta da chuva da Costa da Guiné, que figura como a segunda em todo o mundo em frequência de raios e trovões.
  • Aláààfin: Título dos soberanos de Òyó e que foram os seguintes: 1°- Òránmíyàn; 2°- Àjàkà; 3°- Sàngó, 4°- Àjàkà; e 5°- Aganjú. Como os yorubás costumavam se definir como "Filhos de Odùdúwà", ele costuma encabeçar a lista dos reis de muitas cidades. Como era costume dar primazia a Odùdúwà nas fundações das cidades yorubás, sendo sempre o primeiro soberano, o fato explica a razão de alguns escritores registrarem Sàngó como o 4° rei de Òyó, sendo Odùdúwà o primeiro.
  • Ofò: Recitações de encantamentos.
  • Osé: Símbolo de Sàngó em formato de machado ou chifre de carneiro. Representa seu poder destrutivo. É a representação de dois raios em direções opostas, denotando a condição de que a justiça é cega, sendo a potência do relâmpago comparada à do machado.
  • Dàda: Nome dado às crianças que nascem com um tufo de cabelos em forma de coroa.
  • Èdè: Cidade localizada a Sudoeste de Òsogbo, cujo soberano é  denominado Tìmì Èdè.
  • Odó: O pilão. É um dos símbolos por excelência de Sàngó.
  • Orógbó: Fruto em formato de pêssego com semente em formato liso.
  • Kábíyèsí: Saudação que se faz a um rei ou quando se ouve o som do trovão.
  • Bàbáláwo: Sacerdote responsável pela consulta com o plano divino através de diversos sistemas divinatórios denominados Ifá.
  • Dàda Àjàkà: Filho mais velho de Òránmíyàn. Recuperou o governo de Òyó com a abdicação de Sàngó. Posteriormente, foi sucedido por Aganjú, seu filho.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Sàngó, Oya e o poder do fogo


(Extraído do livro "Mitos Yorubás: O Outro Lado do Conhecimento" de José Beniste, com adaptações)



Sàngó havia conquistado o poder da cidade de Òyó e se tornado o seu terceiro soberano, governando com muita severidade e domínio total sobre seu povo, que não tentava irritá-lo ou ofendê-lo, pois ele era o possuidor do edùn àrá, a pedra do raio.


Seu símbolo de poder é o osé, um machado de lâmina dupla como representação de que “sua força é uma arma de dois gumes”, que equivale dizer que o mais distante habitante de Òyó não estava longe da autoridade de Sàngó ou imune aos seus castigos pelos delitos cometidos. 


Embora consciente de seu poder, Sàngó buscava incessantemente novos meios de se fazer respeitado e temido por todos. Enviava seus mensageiros até os locais mais distantes de seu reino em busca de poções mágicas e amuletos, com o objetivo de aumentar o seu poder. Um a um iam chegando os elementos pedidos sem que satisfizessem os desejos de Sàngó. Decidiu ele, então, pedir a Èsù.



Enviou um de seus homens de confiança para as terras de Ìbàrìbá, onde Èsù se instalara, próximo à região dos Tápà. Lá chegando, o mensageiro declarou: “Oba Jàkúta, o grande Aláààfin de Òyó, enviou-me aqui para que lhe seja preparado um poder eficaz que cause terror no coração de seus inimigos.” Èsù perguntou: “Sim, isto é possível. Mas que tipo de poder Sàngó deseja?” O mensageiro respondeu: “Oba Jàkúta disse que muitos tentaram lhe dar o poder que ainda não tem, mas eles não sabem como fazê-lo. Tais conhecimentos pertencem somente a Èsù. Dê o que precisa que ele saberá o que fazer.”


Disse Èsù: “Sim, do que Sàngó precisa eu sei bem e eu lhe darei. Em troca quero receber uma cabra como sacrifício. O poder estará pronto daqui a sete dias; porém, você, mensageiro, não deverá ser o portador. Quem deverá vir aqui apanhar será a esposa dele, Oya.”


O mensageiro retornou para Òyó e contou a Sàngó o recado de Èsù, que concordou com o que lhe foi dito, e, já no sétimo dia, Sàngó instruiu Oya para ir onde estava Èsù: “Cumprimenta Èsù por mim. Diga-lhe que o sacrifício será enviado. Receba o poder que ele preparou e traga-o para cá rapidamente.” Em seguida, Oya partiu.


Chegando às terras de Èsù, Oya cumprimentou: “Sàngó, de Òyó, enviou-me para apanhar o que foi preparado para ele. O sacrifício que você pediu por isso já está a caminho.” Em seguida, Èsù entregou a Oya um pequeno pacote embrulhado em uma folha silvestre, ewé ògbó, e lhe disse: “Tome cuidado com isto. Veja que Sàngó beba tudo.”


Pegando o pacote, Oya iniciou a jornada de volta. Mas a curiosidade começou a atiçá-la: “O que Èsù fez para Sàngó? Que espécie de poder pode estar neste pacote tão pequeno?” No longo do trajeto de volta, Oya foi pensando no assunto, quando resolveu parar para descansar. Como Èsù havia presumido que ela faria, Oya desembrulhou o pacote para olhar o que havia dentro. E o que viu possuía uma coloração vermelha. Colocou um pouco do poder na boca para testá-lo. Nem era bom, nem era ruim. Ficou pensativa por um instante e depois embrulhou de novo o pacote, seguindo viagem.
Ao chegar a Òyó, foi direto para o palácio de Sàngó. Assim que o viu entregou-lhe o pacote. Sàngó o recebeu e perguntou: “Que instruções Èsù deu a você? Como é que eu        tenho que usar este poder?”


Oya disse: “Ele instruiu para ingerir o poder.” Nem bem começou a falar, faíscas saíram de sua boca. Sàngó entendeu que Oya havia testado o poder que lhe havia sido destinado. Sua ira foi violenta. Levantou a mão para bater-lhe, mas ela escapou do palácio. Sàngó a perseguiu, mas não a encontrou. Oya foi para um lugar onde muitas ovelhas estavam pastando. Correu entre elas, pensando que Sàngó não a encontraria. Mas a ira de Sàngó era terrível. Ele lançou seu grito, estrondos em todas as direções, a ponto de atingir as ovelhas, matando-as todas. Oya escondeu-se, então,  embaixo das ovelhas mortas, conseguindo, assim, iludir Sàngó, que, cansado, retornou ao palácio onde uma multidão o aguardava. Todos suplicavam pela vida de Oya. “Sua compaixão é maior do que a sua ofensa. Perdoai-a.” A ira de Sàngó se atenuou. Ele enviou seus escravos para encontrar Oya e trazê-la de volta. 



Sàngó não sabia, exatamente, como Èsù havia lhe destinado o poder. Assim, quando a noite chegou, Sàngó pegou o pacote com o poder e foi para um lugar alto contemplar a cidade. Lá, colocou um pouco do poder sobre a língua, e, quando expirou o ar, uma enorme chama saiu de sua boca, estendendo-se por toda a cidade. Sàngó passou a ter o poder sobre o fogo, que brotava de sua boca e de suas narinas, e, com isso, passou a intimidar seus adversários.



CONCLUSÃO:


Em tempos de guerra ou quando certos assuntos desagradavam Sàngó, ele lançava seus raios e pedras do espaço, os meteoritos, sempre acompanhados por um clarão brilhante que acompanhava o céu e a terra. O povo dizia: “É o fogo disparado da boca de Sàngó.”


As ovelhas que morreram enquanto protegiam Oya da fúria de Sàngó nunca foram esquecidas. Em sua honra, os filhos de Oya passaram a recusar comer carne de carneiro como lembrança daquele dia.


NOTAS:

  • Iná: É o fogo. Elemento que caracteriza o poder de Sàngó; é lembrado na cor vermelha de suas contas. Pronuncia-se “inan”
  • Edùn àrá: Equivalente aos meteoritos incandescentes. Èdùn: machado; àrá: trovão, raio.
  • Ìbàrìbá: Região constantemente citada nos relatos, habitada por grandes conhecedores da magia natural e da existência de forças que causam e controlam os fenômenos da natureza. Na crença yorubá, a religião e a magia são tão interligadas que se torna difícil dizer quando uma invade o domínio da outra.
  • Ewé: Significa folha ou erva, e vem do verbo wé: embrulhar. Era hábito fazer oferecimentos utilizando-se folhas para embrulhar.



Ìbínu Sàngó: A fúria de Sàngó. Seu temperamento é lembrado em muitos cânticos, como o que segue:


Olómo kìlò fómo re
(Advirta o seu filho)
E má pèé Sàngó gbómo lo
(Para que Sàngó não seja acusado de rapto)
Bí ó soro,
(Quando ele fica feroz)
A so’gi dènìyàn
(Transforma a árvore numa pessoa)
Bí ó soro,
(Quando ele fica feroz)
A sènìyàn deranko.
(Transforma uma pessoa num animal.)


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Encontro discutirá o reconhecimento de sacerdotes e sacerdotisas afroumbandista como Teólogos e Teólogas da Religião de Matriz Africana



O EGBÉ ÒRUN ÀIYÉ e a Associação Nacional de Teólogos e Teólogas da Religião Matriz Africana, com apoio do AFRICANAMENTE e da Comunidade Terreira Ilê Axé Yemonjá Omi Olodo promovem encontro para discutir o Projeto de Lei 114, de 2005, que dispõe sobre o exercício da profissão de Teólogo. A proposta, que tramita no Senado, é de autoria do Bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e Senador reeleito pelo Rio de Janeiro, Marcelo Crivella.

O objetivo do encontro é debater o reconhecimento de sacerdotes e sacerdotisas afroumbandistas como Teólogos e Teólogas da Religião de Matriz Africana. A atividade, aberta ao público, acontecerá no dia 18 de fevereiro, a partir das 18h30, no Sindicato dos Previdenciários do RS – Travessa Francisco Leonardo Truda, 40 – 12º andar. A organização do evento irá fornecer certificados de participação.

O encontro também abordará a Classificação Brasileira de Ocupação - CBO no que se refere à identificação das ocupações concernente a Ministro de Culto Religioso (código 2631-05), Pareceres 241/1999, 51/2010, bem como da audiência pública convocada pelo Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação que tratou das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Teologia no Brasil.



SERVIÇO:


O quê: Discussão sobre o reconhecimento de sacerdotes e sacerdotisas afroumbandista como Teólogos e Teólogas da Religião de Matriz Africana

Quando: 18 de fevereiro de 2011

Horário: 18h30 às 21h


Local: SINDISPREV (Sindicato dos Previdenciários do Rio Grande do Sul), Rua Travessa Francisco Leonardo Truda, 40, 12ºandar


Inscrições: gratuitas pelos telefones 3333-9225 e/ou 3354-7119

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Ògún e seu poder sobre os metais

(Extraído do livro "Mitos Yorubás: O Outro Lado do Conhecimento" de José Beniste, com adaptações)

Os Òrìsà e o povo estavam vivendo na Terra criada por Òsàlà, e onde todos exerciam suas tarefas: a caça, a limpeza da terra para a agricultura, a plantação, a construção de suas casas, para abrigo de suas famílias. Tudo era feito com muita dificuldade por falta de ferramentas adequadas para o trabalho e, agora, mais ainda, pois as distâncias aumentavam, a cidade crescia para o lado das montanhas, com seus terrenos desnivelados por gigantescas rochas com caminhos inacessíveis. 

Olhando o que tinha feito e o que estava por fazer, os Òrìsà discutiam a melhor solução para o problema. Diziam: "Deixe um de nós começar a tarefa, derrubando as árvores e limpando a terra. Depois poderemos plantar em nossos campos." Todos concordaram, exceto Olókun: "O meu domínio é a água. A terra e as árvores não são meus afazeres."

Òsányìn, o Òrìsà das folhas, disse: "Eu limparei primeiro os campos." E pegou a sua faca do mato, e partiu para as árvores, começando o seu trabalho. Mas a sua faca era feita de madeira e pedra, e, assim, ele não conseguia fazer o corte necessário. Após algum tempo de uso, ela quebrou. Òsányìn retornou e disse para os demais companheiros: "Eu comecei o trabalho, mas a madeira era tão dura que partiu a minha faca."


Òrìsà Oko, senhor dos campos livres, falou: "A minha faca é mais forte, e cortarei as árvores e destruirei as rochas." Em seguida, partiu para o trabalho, mas não conseguiu executá-lo como queria, pois a sua ferramenta não suportou a árdua tarefa. Disse então: "Aconteceu o mesmo comigo, a minha faca está cega e torcida."

Depois, Èsù, com seu corpo potente, armou-se com suas ferramentas e foi para o meio da floresta. Ali permaneceu por longo tempo e, quando retornou, seu semblante estava amarrado: "Eu limpei a terra e desloquei as rochas, mas o metal de minhas armas não é forte o suficiente para tal empreitada." Um por um os Òrìsà tentaram, mas não conseguiam fazer o que pretendiam. "Em que espécie de lugar estamos vivendo? Como poderemos sobreviver aqui?"


Até aquele momento, o único Òrìsà a se manter calado era Ògún, que observava todo o movimento sem nada dizer. Somente quando todos já haviam tentado, ele se levantou de onde estava e disse: "Nísisìyí àsìkò mi ni." ("Agora é a minha vez."). Dizendo isto, partiu para o campo. Executou o corte das árvores necessárias para a abertura dos caminhos; com potentes golpes destruiu as rochas, enquanto outras foram deslocadas para manter a terra livre das pedras. Toda a terra foi arada, amaciada e semeada. Deu novos caminhos, enquanto ia eliminando plantas desnecessárias. Ògún trabalhou até o final da tarde ininterruptamente. Quando terminou a sua obra, retornou para junto dos demais Òrìsà, que já o aguardavam. Lá chegando exibiu suas armas e ferramentas utilizadas. Estavam afiadas e intactas. 

Diante do que viam, perguntaram: "Que metal esplêndido é este?" Ògún respondeu: "O segredo desse metal me foi dado por Olódùmarè. É chamado de Irin, o ferro." Os Òrìsà olhavam as ferramentas de Ògún com muita admiração, dizendo: "Se tivéssemos o conhecimento do ferro, nada para nós seria difícil." Ògún observou o interesse de todos, mas relutou em ensinar o seu segredo. "Olódùmarè não me autorizou", disse. Mas não se negou a fazer armas e ferramentas a quem lhe pedisse. Para isso, construiu uma forja em sua casa e passou a fabricar os diversos tipos de armas e instrumentos de trabalho, pois Ògún, além de guerreiro, era um grande caçador. A caça, até aquela época, era efetuada com armadilhas e armas bem leves, além de se contar com muita sorte nas empreitadas. 

A relutância de Ògún continuava a incomodar os demais Òrìsà, que, embora estando com as novas armas criadas por Ògún, insistiam em conhecer o segredo de sua fabricação. Pensando no assunto, todos tomaram a iniciativa de dar a Ògún o título de Osìnmalè, o Chefe dentre as Divindades(osìn: chefe; irúnmalè: divindade). Considerando tudo isso, Ògún concordou com o pedido de todos. Passou a ensinar o processo de fazer a liga dos metais, a criação de armadilhas, ferramentas, lanças, espadas e facas. 

Em pouco tempo, todos os Òrìsà eram possuidores do conhecimento do uso do ferro. E vieram pessoas de outras regiões para aprender, e Ògún ensinou tudo a todos. Embora Ògún tivesse aceito o cargo de chefia que lhe fora dado por todos os Òrìsà, ele continuava a ser o grande caçador que era, pois muitos dependiam de sua capacidade para sobreviver.E, assim, embrenhava-se floresta adentro a fim de caçar os animais de que tanto gostava. Vestia-se de roupas de couro presas por màrìwò, equipava-se com as armas de luta e seguia seu caminho.

A atividade de caçador era muito árdua, obrigando-o a ficar isolado vários dias, dormindo sobre a terra ou em árvores. Ògún abatia muitos animais, em constantes lutas. Quando saía da floresta, estava sujo, seu cabelo, embaraçado, e as peles que vestia ficavam rasgadas e manchadas do sangue de sua caça. Seguia o caminho de volta à cidade para reencontrar seus companheiros.

Certo dia, os Òrìsà, ao verem Ògún chegando daquele jeito, disseram: "Quem é este estranho todo sujo que vem da floresta? Certamente não é Ògún, o qual indicamos para ser nosso chefe." Eles ficaram descontentes com Ògún e continuaram: "Um chefe deveria se manter com dignidade, suas roupas deveriam ser limpas, e o seu cabelo, bem aparado. Você está indistinguível do mais humilde caçador de Ifè, e o ar à sua volta está empesteado de carne morta." Dizendo isso, concluíram: "O cargo que lhe demos, nós o tiramos agora. Você não é mais o nosso chefe."

Ògún, ouvindo aquilo replicou: "Quando vocês precisaram do segredo do ferro, souberam implorar-me para ser o chefe de todos. Agora que já são possuidores do poder, dizem que eu cheiro mal." Falando isso, Ògún foi até o rio mais próximo, tirou suas roupas sujas de pele de animal e banhou-se. Quando já estava limpo, vestiu suas roupas de màrìwò(folhas de dendezeiro depois de desfiadas mediante um ritual específico), pegou suas armas e partiu para a cidade de Ìré. Construiu uma casa embaixo de uma árvore de akòko, lá permanecendo solitário, mas fiel aos seus compromissos de se manter vigilante nas terras de Ilé Ifè.