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Ìyálórìsà responsável pelo Ilê Ìyába Àse Òsun Doko, de Nação Ijexá, localizado na cidade de Gravataí-RS; filha de Pai Pedro de Oxum Docô. Contatos fone:(51) 9114-2964 ou e-mail fernanda__paixao@hotmail.com

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A Criação da Terra por Òsàlà

(Extraído do livro "Mitos Yorubás: O Outro Lado do Conhecimento" de José Beniste, com adaptações)

O que é agora nossa terra foi, certa vez, uma aguacenta e pantanosa imensidão. Acima havia o éter, o espaço celestial, denominado òrun e que era a morada de Olódùmarè, o Ser Supremo, dos Òrìsà e de outros seres primordiais. A aguacenta imensidão constituía, de certa forma, o local de caça para seus habitantes, que costumavam descer por cordas de teias de aranha formando pontes pelas quais andavam.


Conviviam com Olódùmarè vários Òrìsà; entre eles, Obàtálá (também conhecido por Òsàlá), Òrúnmìlà, Èsù, Ògùn e mais Agemo, o camaleão, criado de confiança do Ser Supremo. Na parte de baixo vivia Olókun, a divindade feminina que governava a vasta expansão de água e os pântanos selvagens.


Certa vez, Obàtálá, observando essa região disse: “Todo esse espaço não tem a marca de nenhuma inspiração ou coisa viva. Tudo é muito monótono.” Em seguida, foi até Olódùmarè e expôs seu pensamento: “O lugar governado por Olókun é uma mistura de mar, pântano e nevoeiro. Se existisse terra sólida naquele lugar - campos, florestas, morros e vales -, seguramente ele poderia ser habitado pelos Òrìsà e por outras formas vivas.” Olódùmarè respondeu: “Sim, seria uma boa idéia cobrir as águas com terra. Mas trata-se de um empreendimento ambicioso! Quem faria esse trabalho?” Obàtálá respondeu: “Eu tentarei e farei de tudo conforme o Seu desejo.”


Com a devida permissão, Obàtálá saiu à procura de Òrúnmìlà, que entendia dos segredos da existência, e dele recebeu instruções de como efetuar aquela tarefa. “Estas são as coisas que você deve levar: uma concha cheia de terra, uma galinha branca de cinco dedos em cada pé e um pombo.” Tudo providenciado, Obàtálá desceu através de grossas teias e, antes de chegar ao seu final, despejou o conteúdo da concha e, em seguida, lançou a ave encantada, que passou a espalhar a terra por todas as direções, com o pombo transportando todo o material de um lado para o outro. A terra que estava sendo espalhada foi tomando formas desiguais, originando morros e vales. Quando tudo havia sido feito, Obàtálá saltou da teia para a terra firme, pisou-a e a sentiu segura e firme, mas ainda estéril.


Obàtálá chamou o lugar de onde o trabalho havia sido efetuado de Ifè, que significa “aquilo que é amplo”. De acordo com a tradição, foi assim que Ifè, a cidade sagrada desse povo, obteve seu nome. A criação da Terra foi completada em quatro dias; o quinto foi separado para se reverenciar Olódùmarè, que, mais tarde, desejando saber como andavam as coisas na Terra, enviou Agemo para fazer uma inspeção em toda a região. Ao chegar lá, andou cuidadosamente para experimentar a terra. Achando-a firme, procurou Obàtálá e lhe disse: “Como você pode ver, a Terra está criada, mas ainda falta muita coisa - planta, árvores e gente - para habitá-la. E, mais ainda, há muita escuridão. A terra deve ser iluminada.”


Agemo retornou para o òrun e descreveu para Olódùmarè o que tinha visto e ouvido. Prontamente o desejo de Obàtálá foi atendido com a criação do Sol. Depois disso, surgiram o calor e a luz, no lugar que havia sido domínio exclusivo de Olókun. Em seguida, Olódùmarè enviou Òrúnmìlà para agir como conselheiro de Obàtálá, que levou consigo a primeira palmeira de dendezeiro, o igi òpe, para ser plantada. Deu também três outras árvores para serem plantadas - Iré, Awùn e Dòdo - que serviriam para extrair alimentos e agasalhos. Como não havia bastante água para ser usada, fez cair chuva sobre a Terra. Com todos os elementos em seu poder, Obàtálá completou a tarefa, equipando a Terra com matas, florestas, rios e cachoeiras. 


Logo depois foi designado para outro trabalho, o de modelar a imagem física daqueles que deveriam habitar toda a Terra criada. Para isso revolveu o barro e o umedeceu com a água das fontes, modelando, na forma determinada por Olódùmarè, figuras idênticas aos seres humanos. Obàtálá trabalhou sem descanso, vindo a ficar esgotado e com muita sede. Buscou socorrer-se com vinho de palma, o emu. Assim sendo, foi buscar entre as palmeiras do dendezeiro, o líquido para aliviar a sua sede. Ao extrair o líquido, deixou-o fermentar e depois bebeu-o por longo tempo, até que sentiu seu corpo amolecer e tudo à sua volta girar. Ao conseguir manter-se de pé, voltou ao trabalho, mas sem as condições iniciais. Com isso, vários modelos das figuras ficaram desajeitados, disformes, com pernas e braços tortos. Outros apresentavam as costas altas, cabeça desproporcional e estatura irregular, idênticos a anões. Mesmo assim, todos foram colocados em posição apropriada, aguardando a presença do Ser Supremo para dar vida a todas essas figuras inanimadas. 


A instrução dada a Obàtálá, portanto, era a de que, quando tivesse completado a sua parte na criação do Homem, avisasse Olódùmarè, que então viria para das vida, colocando o emìí em seu corpo, completando, assim, a criação do ser humano. De meras figuras de barro moldado, transformaram-se em seres de sangue, nervos e carne. Com a vida insuflada em suas narinas, começaram a andar e a fazer as coisas necessárias à sua sobrevivência. 


Quando cessou o efeito do vinho de palma, Obàtálá viu que alguns seres humanos que havia moldado estavam deformados. Ficou triste e sentiu remorso. Então disse: “Nunca mais beberei vinho de palma. Serei sempre o protetor de todos os humanos defeituosos ou que tenham sido criados imperfeitos.” Por causa dessa promessa, os seres humanos coxos, cegos, sem braços, surdos, mudos e aqueles que não têm pigmentos em suas peles, os albinos, são chamados de Eni Òrìsà, pessoas especiais sob a sua proteção. 



Todos viviam uma vida pacífica em torno de Obàtálá, que era o seu rei e orientador. Mesmo sem as ferramentas adequadas, pois ainda não existia o ferro no mundo, o povo plantava e semeava. As árvores se multiplicavam, e o povo crescia juntamente com a cidade de Ifè, seguindo tudo conforme a sua determinação. Assim, Obàtálá decidiu voltar ao òrun, tendo sido preparada uma grande festa para a sua chegada. Ali, junto aos demais Òrìsà, ele relatou as coisas existentes no novo mundo e todos se mostraram decididos a viver com os seres humanos criados. Desse modo, muitos Òrìsà partiram para a Terra, mas não sem antes ouvir as instruções de Olódùmarè quanto às obrigações de cada um. Deixou a seguinte mensagem para todos: 


“Quando vocês se fixarem na Terra, nunca se esqueçam de seus deveres para com os seres humanos. Todas as vezes que eles tiverem suplicando por ajuda, observem com atenção o que estão pedindo. Vocês serão os protetores da raça humana. Obàtálá foi o primeiro que desceu e secou as águas. Ele será o eterno governante deste mundo e a minha segunda pessoa, e, por isso, será chamado de Enikéjì Èdùmàrè (Eni: pessoa; kéjì: segunda), devidamente retratado no seguinte texto:


Obàtálá, Ògirigbànigbo, aláyé ti wón nfi ayé fún.
(Obàtálá, o magnífico que possui o mundo e é dono de seu controle.)


Òrúnmìlà será o meu porta-voz, pela condição de ser conhecedor dos destinos de todos os habitantes da Terra e terá o título de Elérí Ìpín (Testemunha dos Destinos). Cada um de vocês terá uma responsabilidade especial para preencher os espaços da Terra.”


CONCLUSÃO:
Este mito possui três versões diferentes, de acordo com as tradições regionais yorubá. Revela a condição de primazia de Obàtálá, que seria chamado de Òsàlá, e o seu poder de realização, e de Òrúnmìlà, com o seu poder de sabedoria nas decisões a serem tomadas. É a associação de dois princípios para um objetivo seguro. A bebida passou a ser proibida aos filhos desse Òrìsà, dada a insegurança que ela transmite para a realização de tarefas cuja ética e moral devam sempre predominar. 


NOTAS: 

  • Olódùmarè: Nome do Deus Supremo do povo yorubá. Olódù - Senhor do Poder, maré - imputável, incomparável, absolutamente perfeito.
  • Òrun: Espaço abstrato destinado à morada das divindades e outras formas de espíritos. Divide-se em 9 partes destinadas a finalidades específicas, entre as quais: òrun rere - o bom espaço; òrun burúkú - espaço destinado às pessoas más; òrun ìsálú -  espaço do julgamento das pessoas. 
  • Òrìsà: Divindade intermediária entre Olódùmarè e os seres humanos, e identificada com fenômenos da natureza. Os vários Òrìsà são descendências do Ser Supremo, no sentido de que todos derivam Dele. O número de divindades varia de acordo com certas interpretações. A teogonia yorubá revela que, no começo, havia somente poucas divindades e que, devido a certos processos surgidos posteriormente, houve incrementação e multiplicação do número de Òrìsà. A fusão de clãs, a veneração de uma mesma divindade sob nomes diferentes e a divinização de personagens históricos foram fatores importantes. Assim, conclui-se que o panteão yorubá é composto de divindades primordiais e ancestrais que acharam seu caminho em razão de uma excessiva veneração por parte do povo, tornando-se idênticos com algumas antigas divindades.
  • Obàtálá: Também chamado de Òsàlá, e, em algumas narrativas de odù, citado apenas como Òrìsà.
  • Ifè: Principal cidade yorubá e onde se iniciou toda a cultura mítica. Está associada à criação do mundo. Fè - o que é amplo ou extenso. 
  • Òsè yorubá: Semana yorubá. Era composta apenas de 4 dias: Ojó Awo, Ojó Ògún, Ojó Jàkúta e Ojó Obàtálá, representando respectivamente, os 4 princípios: da Sabedoria, da Luta pela Sobrevivência, da Justiça, e da Criação.
  • Agemo: O camaleão. A preocupação que teve ao pisar nas novas terras criadas é que fez seus descendentes andarem de maneira cuidadosa. É um animal sagrado pela sua extraordinária capacidade de mudar de cor e mover os olhos sem movimentar a cabeça, o que lhe permite olhar em todas as direções simultaneamente.
  • Òrúnmìlà: Representa o princípio da sabedoria e a ele é dedicado o primeiro dia da semana yorubá.
  • Igi Òpe: A palmeira de dendezeiro. Produz dois tipos de óleo: epo pupa (azeite-de-dendê) - da parte externa do fruto - e o àdin - da castanha interna do coquinho. Do caule extrai-se um tipo de bebida - emu, o vinho de palma. Das folhas - imo òpe - são feitas vestimentas e coberturas, sendo que, nos cultos religiosos, as folhas mais novas são desfiadas e colocadas nas portas dos terreiros como forma de proteção pelo pacto feito com Ògún. Dessa forma recebe a denominação de màrìwò. (No Sul do Brasil, é comumente substituído o màrìwò pela “Espada de São Jorge” na porta das residências, também simbolizando proteção pelo Òrìsà Ògún.)
  • Vinho de Palma: Sua denominação entre os yorubás é emu, e entre os povos cabindas, é chamado de malafu, com variante para Marajó, sinônimo de aguardente.